ERROS DE LULA, CONFESSADOS OU NÃO

. Os erros de Lula: mais que dois     
Na coletiva de sexta passada, o presidente Lula relacionou entre os dois erros que admite em seu governo o fato de não ter encontrado uma política de combate à inflação que não seja o aumento de juros. O outro erro admitido é não ter feito estradas. Para os dois casos, porém, o presidente tem um vasto arsenal à disposição, incluindo muitas armas apresentadas por membros de sua própria equipe.     
Há também o amplo conhecimento adquirido pela ciência econômica a respeito de inflação e juros. É verdade que os juros altos no Brasil têm representado um problema especial. Mas os economistas brasileiros estão já há algum tempo batalhando nisso e chegaram a algumas idéias que explicam o fato de os juros serem mais elevados aqui do que em países parecidos ou mesmo em piores condições. Em resumo, há muito conhecimento sobre medidas antiinflacionárias além do tradicional (e sempre eficiente, note-se) aumento de juros básicos.     
Há controvérsias, é claro. Algumas pessoas ainda acham que congelamento e controle de preços derrubam a inflação. Lula afastou a idéia de congelamento ? lembrou do desastre do Plano Cruzado ? mas seu governo pratica o controle de preços em alguns setores, como o de medicamentos, aliás política herdada do antecessor, dito neoliberal. E que nem derrubou preços, nem estimulou o setor.     
Além da política do Banco Central, que defendeu com firmeza, o  presidente referiu-se a apenas uma outra tentativa de seu governo de combater a inflação: a eliminação da alíquota de importação do aço, resposta à forte alta de preço desse insumo.     
Foi casuísmo, portanto, mas a idéia por trás disso funciona. Aliás, é uma das melhores idéias do capitalismo: a concorrência. A redução das barreiras à importação, a abertura do comércio externo, estimula poderosamente a competição e é isso que força a queda de preços.     
Mas o presidente Lula não aplica uma política de abertura comercial. Sua diplomacia comercial contribuiu para empacar as negociações em torno da Área de Livre Comércio das Américas e do acordo com a União Européia. O presidente ainda mantém um viés protecionista ? e a indústria protegida aumenta preços.     
Aliás, Lula queixou-se que muitos empresários brasileiros ainda têm a mentalidade de elevar preços quando a economia se aquece e as vendas aumentam. Na opinião do presidente, trata-se de um erro. Os empresários, disse, deveriam reduzir os preços e ganhar na venda de mais unidades.     
Infelizmente, não é assim que funciona. Os empresários, cuja obrigação é fazer lucro e desenvolver suas empresas, obviamente aumentam o preço quando percebem que há mais demanda que oferta. E tratam de reduzir preço (cortando custo, ganhando produtividade) quando percebem que há competidores na oferta.     
De novo, a competição, de novo a abertura comercial. O que vale para a redução das tarifas de importação do aço deveria valer para a economia em geral.     
Outra medida amplamente aceita como antiinflacionária é a redução dos gastos públicos. O governo tem três maneiras de financiar seus gastos: cobrar impostos, tomar dinheiro emprestado e fazer inflação, desvalorizando a moeda. Nos dois primeiros modos, o governo retira recursos que poderiam financiar o setor privado ? e isso contribui para a alta dos juros. Haverá menos dinheiro para emprestar para pessoas e empresas, logo, juros mais altos.     
Mas o governo Lula tem a convicção de que precisa ampliar o gasto público. Aliás, na coletiva de sexta, fez uma veemente defesa desses gastos, dizendo que na verdade são investimentos para o desenvolvimento e para a distribuição de renda. O argumento é defensável do ponto de vista político. Mas do ponto de vista econômico, quer sejam gastos, quer sejam investimentos, custam dinheiro ? e o mesmo dinheiro oriundo de impostos ou dívida.     
Além do mais, o governo está gastando menos em obras de infraestrutura ? as estradas que gostaria de ter feito, o segundo erro admitido  ? porque tem aumentado os gastos com o custeio da máquina.     
Assim como aumenta gastos, o governo também aumenta a receita de  impostos. Isso equilibra as contas públicas, o que é bom, mas por um mau caminho ? aliás o mesmo do governo anterior: mais despesa, mais imposto. Além disso, há uma boa carga de impostos na taxa de juros cobrada de pessoas e empresas. Cortes da CPMF e IOF, por exemplo, derrubariam juros.     
Outro modo de conferir eficiência geral à economia ? com ganhos de produtividade e, pois, preços menores ? é reduzir a imensa informalidade. Tirante a bandidagem, que deve ser minoria, empresas e pessoas caem na informalidade quando não podem cumprir obrigações burocráticas, tributárias e trabalhistas.     
Isso também é amplamente conhecido. A necessidade de facilitar a vida de quem faz negócios no país está muito bem definida na agenda de reformas microeconômicas preparada pelo ex-secretário de Política Econômica Marcos Lisboa. Que deixou o cargo na semana passada. Alguma coisa, pouca, andou. A maior parte da agenda está bloqueada no Congresso ou nem chegou lá, porque o governo não consegue montar sua base parlamentar. E também porque essa agenda micro parece não despertar o entusiasmo da maior parte do governo Lula, os antigos companheiros, mais interessados nas grandes reformas e grandes mudanças ? como as reformas universitária e sindical, ambas empacadas porque formuladas à antiga, desconectadas de uma moderna sociedade capitalista.     
Tudo considerado, foi muito positiva a forte adesão de Lula à política econômica aplicada pelo ministro Antonio Palocci. A destacar também sua convicção de que a inflação elevada é o pior inimigo. Disse: ?Não quero que a inflação volte a roubar o salário do trabalhador?. É o ponto exato da questão: tolerância zero com a inflação. Também interessante sua declaração de que pretende para o Brasil uma inflação de país desenvolvido, condição para ter juros de país desenvolvido.     
O erro admitido de não ter política antiinflacionária além da alta de juros é de fato um erro. Uma vez que não corta gastos públicos, não abre a economia e empaca nas reformas, tanto nas grandes, como tributária e previdenciária, quanto na microeconomia, o governo deixa inteiramente ao Banco Central o trabalho sujo de elevar juros para combater a inflação.     
Em tempo: quanto às estradas, poderia fazer mais se simplesmente privatizasse, via concessões, muito mais fácil e rápido que as Parcerias Público Privadas. Publicado em O Estado de S.Paulo, 02 de maio de 2005

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