ELEIÇÕES SEM DRAMA

. O mercado sem sustos     
Quatro anos atrás, os mercados despencavam com medo de Lula. Já na semana passada, a bolsa subia enquanto as pesquisas diziam que Lula poderia vencer no primeiro turno.     
Na véspera das eleições de 2002, o dólar chegou a ser negociado a quatro reais, quase o dobro da cotação registrada no início da campanha eleitoral (R$ 2,30, em março). O risco Brasil, no mesmo período, foi de 700 para 2.400 pontos. E a Bolsa de Valores de São Paulo despencou da faixa dos 14.400 pontos, também em março,  para 8.700 na sexta-feira antes da votação.     
Neste ano, foi o reverso dessa história. O dólar, desde o início da campanha, está oscilando entre 2,20 e 2,10, no que se pode considerar estabilidade.  O risco Brasil tem variado entre 210 e 240 pontos. E a Bovespa encerrou a semana em torno dos 36.500 pontos, uma queda em relação a março, mas com ganhos em relação a janeiro. De todo modo, as variações desses indicadores refletiram situações econômicas nacionais e internacionais. Não reagiram à política, ao contrário de 2002, quando os fundamentos econômicos não explicavam dólar a 4 reais ou risco a 2.400 pontos. Tanto era assim, que uma vez dadas garantias políticas de manutenção das bases da economia, os indicadores se recuperaram rapidamente.     
Mas quais as diferenças detalhadas entre 2002 e agora?     
A primeira está no cenário internacional. Em 2002, o mundo vinha de uma sequência de desastres econômicos e financeiros. No mundo emergente, haviam sofrido crises no balanço de pagamentos ? isto é, haviam quebrado ? a Coréia do Sul (1997), Rússia (98), Brasil (99) e Argentina (2001). No mundo desenvolvido, começando pelos Estados Unidos, a sequência também havia sido desastrosa: em Wall Street, furaram as bolhas das empresas de Internet e das Telecomunicações; grandes fundos de investimentos registraram perdas enormes tanto no mundo emergente quanto nos países ricos; depois, houve a crise dos balanços nos EUA, quando grandes empresas foram apanhadas roubando nas contas e forjando lucros; finalmente, os mercados se paralisam com a queda das torres do World Trade Center.     
Foi desgraça mais que suficiente para deprimir investimentos, aumentar a percepção de risco e reduzir consumo. Todo o mundo penou.     
De repente, a partir de 2003, o mundo engrena uma marcha acelerada de crescimento. Em parte, foi por estímulo dos juros bem baixinhos fixados pelos bancos centrais, a começar pelo Federal Reserve, dos EUA, com a taxa de 1% ao ano. Na medida em que a economia americana começou a reagir, com mais consumo e mais investimentos, apareceram os efeitos dos ganhos de produtividade, propiciados pelo espantoso desenvolvimento da Tecnologia da Informação desde os anos 90.     
Acrescente aí a China, a fábrica do planeta, produzindo, comprando e  vendendo para o mundo todo, mas especialmente para o ávido mercado americano, e se tem a combinação que detonou quatro anos seguidos de crescimento mundial em torno de 5% ao ano. A última vez que ocorrera uma sequência tão gloriosa havia sido na quadra 1970/73 ? que terminou em 1974 em meio à crise do petróleo e inflação.     
Hoje, já se sabe que a economia mundial está desacelerando, mas 2007 não será nem um pouco parecido com 1974. Tome-se o caso do petróleo. Como há 30 anos, os preços dispararam, mas hoje o mundo produz mais energia com o mesmo barril de óleo, tem como recorrer a outras fontes e, sobretudo, a enorme produtividade da economia em geral permite manter preços baixos apesar da energia cara.     
Em resumo, a expectativa hoje é de uma desaceleração nos Estados Unidos, e no mundo, moderada, gradual e pacífica. O mundo vai crescer menos, mas ainda cresce, de modo que a influência externa continua sendo positiva para o Brasil. Mais uma demonstração de sorte de Lula. FHC pegou uma sequência de crises internacionais, Lula, o melhor momento dos últimos 40 anos.     
Mas além dessa diferença no setor externo, o Brasil mudou para dentro. Em 2002, o mercado estava com medo de Lula. Para os investidores, sobretudo do exterior, o Brasil estava em vias de se tornar uma grande Venezuela e, o que era pior, sem petróleo.     
Hoje, o mercado conhece um outro Lula, o do Banco Central autônomo, na prática, e o do superávit primário para pagar juros. O mercado gosta desse Lula. Não gosta de outros aspectos, como o aumento do gasto público (e, pois, da carga tributária), o ambiente pouco propício ao investimento privado, a desastrada diplomacia e, claro, a corrupção e o aparelhamento do Estado.     
Esses pontos negativos têm a ver com o médio e longo prazo, pois são obstáculos à construção de bases para um crescimento vigoroso e duradouro. Mas não estragam o ambiente econômico neste momento e, especialmente, não perturbam os mercados financeiros. De maneira que a coisa fica assim: não há risco de crise nas contas externas (isto é, não há risco de não pagamento dos títulos externos), não há risco de calote nas contas internas, a inflação está no chão (e a estabilidade monetária beneficia os negócios). O país não cresce como os demais emergentes, mas paciência, isso pode esperar mais um pouco.     
Nesse quadro, os mercados operaram na última sexta-feira em ?banho-maria?, na definição dos operadores. O ambiente político estava excitado, com o aparecimento das fotos do dinheiro da compra do dossiê, a ausência de Lula no debate, a expectativa com as pesquisas de sábado ? e, tudo considerado, a especulação sobre as possibilidades de segundo turno.     
Mas os ativos financeiros quase não se moveram. Os juros caíram um pouquinho, a Bovespa perdeu apenas 0,1% e o dólar não se alterou em relação à cotação da véspera. É certo que o mercado e os meios econômicos manifestaram clara preferência por Geraldo Alckmin, mas não era questão de vida ou morte.     
É um bom sinal. O país será tanto mais estável quanto menos dramáticas para a economia forem as eleições.  Publicado em O Estado de S.Paulo, 02 de outubro de 2006

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