ECONOMIA, ESPECULAÇÃO E ELEIÇÕES

. O ambiente exige respeito Corretoras e bancos de investimentos que recomendaram venda parcial de títulos da dívida brasileira no final de abril possivelmente cometeram um erro. Como zagueiros que chegam atrasados na jogada, acabaram atropelando o atacante, a bola e as regras. Mas tanto no futebol quanto no mercado financeiro, o problema está no lance anterior, no momento em que o zagueiro não consegue antecipar as intenções do atacante ou o analista não antecipa viradas de jogo, quer dizer, das cotações. O melhor momento recente para o mercado brasileiro verificou-se entre meados de março e a segunda semana de abril. Nesse período, o índice Bovespa andou na casa dos 14 mil pontos, o risco Brasil medido pelo spread do C-Bond variou em torno dos 700 pontos, o dólar girou perto de R$ 2,30 e o preço do petróleo (Londres) estacionou nos US$ 23 o barril. Em 29 de abril, quando os primeiros bancos anunciaram a reclassificação para pior dos ativos brasileiros, todos os indicadores já haviam piorado. (Veja a tabela). Eis aí, os analistas dos bancos chegaram um tanto atrasados e, ao rebaixarem a recomendação para os papéis brasileiros, apenas referendaram um movimento que já vinha ocorrendo. O que teria levado a essa mudança de ambiente? Até o começo de abril, o ambiente era moderadamente otimista. O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) havia promovido duas reduções da taxa básica de juros (em fevereiro e março), indicando que toleraria, neste ano, uma inflação um pouco acima do centro da meta (3,5%) de modo a não comprometer o crescimento. No exterior, o ambiente também se mostrava moderadamente otimista. Sucediam-se os indicadores de uma recuperação antecipada da locomotiva norte-americana. A União Européia também dava sinais de vida. As instituições internacionais reviam para cima suas projeções de crescimento mundial neste ano. O petróleo, que atrapalha as nossas contas externas e a inflação quando se aproxima dos US$ 28 dólares o barril, parecia estabilizado na faixa dos US$ 23. Nos fundamentos da economia brasileira, as contas públicas continuavam sob controle, alcançando a meta de superávit primário acertada com o FMI. O déficit das contas externas estava em queda e, mais importante, inteiramente financiado pelos investimentos diretos estrangeiros. Superávit no comércio externo. E, para finalmente introduzir o ingrediente eleitoral, o candidato do governo José Serra, que promete continuidade ainda que sem continuísmo, estava am alta nas pesquisas. Aí virou. Foi na terceira semana de abril. O acontecimento principal foi a reunião do Copom no dia 17, que interrompeu a queda dos juros, mantendo a taxa básica em 18,5% ao ano. A explicação: a inflação estava em alta exagerada em todos os itens (preços administrados, monitorados, livres e tabelados), as diversas medidas de núcleos de inflação também mostravam elevação. A gasolina havia subido e deveria subir ainda mais. Nos meios econômicos, as opiniões estavam divididas. Os analistas, na maioria, entendiam que não havia espaço para a queda dos juros. Mas o mercado havia embutido nas taxas uma redução de 0,25 ponto percentual, de modo que recebeu um banho de água fria. Toda a expectativa positiva estava assentada na perspectiva de reduções seguidas da taxa de juros. Se esta não cai, estraga tudo, a começar pela dívida pública interna. Indexada na maior parte a juros pós-fixados, tende a subir e, assim, piorar um indicador essencial que é a relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB). Agora, acrescente aí que dados da indústria e comércio começaram a indicar que a recuperação da economia brasileira não era tão vigorosa como se imaginava. Ou seja, num lado da equação mais dívida e na outra menos PIB. No cenário externo, com a complicação da crise no Oriente Médio, o petróleo voltou a subir. E, o pior, apareceram sinais de que a recuperação americana não era tão vigorosa. Nesse quadro, evidenciou-se uma crise de confiança em Wall Street, com os investidores desconfiados da contabilidade das empresas e da isenção das informações dos bancos de investimentos. O procurador geral do Estado de Nova York, Eliot Spitzer, vazou para a imprensa (sim, lá eles também fazem isso) o conteúdo de emails mostrando que corretores da Merril Lynch recomendavam a seus clientes ações que, nas conversas internas, chamavam de “lixo”. A agência de classificação Moody’s informou que pode rebaixar a classificação da Merril Lynch, que, por acaso, foi o primeiro grande banco a “desrecomendar” os títulos da dívida brasileira. (Sabor de vingança). Em resumo, tudo se complicou. O risco país não aumentou apenas para o Brasil, mas para quase todos os emergentes e todos os latino-americanos por causa do cenário internacional mais duvidoso. Mas piorou mais no Brasil pela simples razão de que alguns indicadores essenciais, como a estrutura mais frágil das contas públicas internas e das contas externas. E também por causa do cenário político-eleitoral. Não apenas a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva subiu nas pesquisas, como a crise na base do governo paralisou votações importantes, como a da prorrogação da CPMF. Isto, aliás, no curto prazo, é um risco maior porque ameaça o cumprimento do superávit primário. Isso tudo era de pleno conhecimento dos brasileiros. Os relatórios dos bancos que rebaixaram a posição dos papéis brasileiros não trouxeram qualquer novidade. Aliás, sugiro ao leitor e à leitora o seguinte exercício: verificar se nas análises sobre o Brasil feitas no exterior (pela imprensa, bancos, universidades, institutos variados e organismos internacionais) sai alguma coisa que já não tenha sido veiculada por aqui. Antecipo o resultado: nunca sai. Há, claro, diferenças na ênfase, nas nuanças, mas os temas básicos não mudam. Foi por isso, aliás, que cinco bancos recomendaram vender Brasil e quatro recomendaram ficar comprado, com base nos mesmos temas, vistos de ângulos invertidos. Uns dizendo que Lula crescia forte em cima de um ambiente econômico deteriorado, outros que a subida de Lula era efêmera e que o ambiente ia melhorar. Os bancos também especulam. Muitos fazem malandragem, alavancando ou derrubando papéis. Mas não se especula em cima do vazio. A bolha tecnológica nos Estados Unidos inflou a partir de uma revolução tecnológica de verdade. No nosso caso, não foi a eventual especulação ou a burrice de analistas de bancos que causaram os problemas. O ambiente econômico local havia piorado e isso, aliás, ajudara os candidatos de oposição. E se a tese dos bancos fosse tão esdrúxula, não provocaria os efeitos que provocou. De todo modo, esses efeitos seriam provavelmente seriam passageiros, na medida em que aparecessem, como estava ocorrendo, sinais de melhora na economia real. A inflação, por exemplo, veio menor que o esperado. Vieram sinais melhores dos EUA. Mas aí as denúncias envolvendo o PSDB e seu candidato José Serra de novo jogaram lenha na fogueira nacional. Vai ser assim, como já dissemos aqui: de susto em susto até as eleições. Para não perder o fôlego, nem dinheiro, convém ficar de olho no básico: inflação em queda ou em alta? Contas públicas com ou sem superávit primário? Déficit externo caindo ou subindo? Financiado ou não por investimentos diretos? O candidato favorito tem uma proposta consistente ou é populista? Diz um samba antigo, citado de memória: O ambiente exige respeito/ pelos estatutos da nossa gafieira/ dance a noite inteira/ mas dance direito. Pode-se dizer: especule o quanto quiser, navegue com as pesquisas mas, lembre-se, o ambiente econômico real exige respeito. Publicado na revista Exame, edição 766, data de capa 15/05/02

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