–Não, o risco Brasil não é menor que o risco EUA–
O ministro Guido Mantega chamou a imprensa na semana passada para alardear: o risco americano, ou seja, o risco de se aplicar em títulos do governo americano, é maior que o risco Brasil. E isso, acrescentou, se explicava pela fraqueza da economia americana e pela fortaleza da nossa pelo fracasso da política econômica lá deles e pelo sucesso da dele, Mantega.
O ministro se baseava numa situação de fato insólita. Há um papel no mercado internacional chamado CDS (Credit Default Swap), uma espécie de seguro que o investidor compra para se proteger de eventual calote em títulos de governo. Assim: o sujeito compra um papel do Tesouro brasileiro e, para se proteger, um CDS vinculado. Quanto maior o risco de não pagamento da dívida, maior o preço do seguro (do CDS).
Pois na semana passada, o CDS americano de um ano custava mais que o papel brasileiro equivalente. Viram só?
Mas qual o outro lado da história?
Não foi o risco Brasil que diminuiu, foi o americano que subiu. E por razões políticas. Nos EUA, republicanos, que têm a maioria no Congresso, se recusam a aprovar uma lei proposta por Barack Obama que aumenta teto da dívida americana, já no limite. Nessa circunstância, o governo americano não pode emitir títulos novos para pagar os que estão vencendo e mais os juros. O que vai acontecer? O governo vai pagar em dólares (monetizar a dívida, encher o mercado mundial de mais moeda desvalorizada)? Teria recursos para isso? Ou vai atrasar os pagamentos?
É mais provável que os republicanos estejam apenas esticando a corda, de modo a arrancar outras coisas do presidente Obama. Mas enquanto isso, o CDS deles subiu, piorou no curtíssimo prazo. E vai cair quando se resolver o embrulho político.
E foi tudo. Não decorre daí que o Brasil está melhor. Se estivesse, a taxa básica de juros aqui, os 12,25% do Banco Central, não seria a maior do mundo, disparada. A taxa real de juros não seria de 5,5% ao ano, enquanto está em torno de zero em boa parte do mundo e é negativa em muitos países, inclusive nos EUA. Para colocar os títulos da dívida de dez anos, os EUA pagam 2,9% ao ano e o governo brasileiro paga 4,6%, em dólar. Em reais, paga 12,3% ao ano, enquanto o governo dos EUAS paga 0,5% em moeda local.
Juros elevados num mundo de juros baixos exibem o sintoma da doença brasileira. Por que não caem? Esta é a pergunta que o ministro Mantega deveria responder. E nisso que deveria estar trabalhando.
O Brasil melhorou muito, mas chegou a um ponto em que exige mudanças importantes para continuar avançando.
Eis algumas histórias de que tomamos conhecimento nos últimos dias:
. o advogado Eduardo Fleury, de São Paulo, estava numa conference call com clientes de uma empresa americana, preparando novos investimentos no Brasil. Estavam quebrando a cabeça para descobrir como superar as variadas barreiras burocráticas. Depois de algumas horas de conversa, o CFO americano comenta: ?mas será que vale a pena isso tudo??
. o diretor de uma empresa industrial alemã conversa com possíveis parceiros numa fábrica em S.Paulo: ?mas por essas contas, o custo de produção no Brasil é 30% maior que na Alemanha. É isso mesmo??
. de um executivo francês que trabalha na Brasil e tem família em Santos: pelo telefone fixo, é mais caro falar de Santos para S. Paulo do que de Paris para S. Paulo. Como pode?
. de outro: o Brasil tem tudo para produzir energia ? rios, quedas d?água, ventos, petróleo, biocombustíveis e até minério de urânio. E tem também a energia mais cara do mundo. Como pode?
. um operador do JP Morgan, nos EUA, comentando para brasileiros: ?O Brasil tem prazo de validade, vai até a Copa. Depois, todo mundo vai rever investimentos?.
E por falar nisso, também ficamos sabendo que funcionários do governo brasileiro procuraram recentemente colegas alemães para buscar informações sobre a preparação da Copa. ?Agora!?? ? foi a resposta (e o espanto) dos alemães.
A Copa tem sido uma das preocupações centrais do governo Dilma ? e precisa mesmo ser assim. Há atrasos em todos os projetos e na organização geral. O Congresso ainda está votando a lei que regulamenta (e simplifica) as licitações de obras ligadas ao campeonato. O BNDES já tem os recursos para financiar estádios, mas a falta de alguma coisa (projeto, licitação, licença, contratos etc) tem bloqueado os empréstimos para obras cruciais.
Na reforma do Maracanã, por exemplo, o governo do Rio está utilizando recursos próprios para não deixar as obras paradas enquanto espera o dinheiro do BNDES. Gasta, assim, verbas orçamentárias que deveriam ser destinadas a escolas, hospitais, segurança (os bombeiros!) e unidades de pacificação.
Em São Paulo, a Odebrecht iniciou a terraplenagem do estádio do Corinthians por sua conta e risco. Simplesmente não há contrato assinado para as obras e a Câmara de Vereadores de São Paulo ainda está votando a lei que concede as reduções de impostos sem as quais o estádio não é viável. A Fifa vai anunciar a cidade da abertura da Copa agora em julho.
E assim segue a ciranda. Foram impressionantes a inação e a incapacidade do governo Lula de colocar o evento em um ritmo forte e seguro. O caso dos aeroportos é o mais visível. O que o atual governo percebeu ? que o setor público não tem nem os recursos nem a capacidade para tocar as obras e serviços necessários ? estava amplamente demonstrado por analistas independentes desde que o Brasil ganhou o direito de sediar a Copa.
Mas além desse caso, por toda parte se encontra uma falha de governo ? do federal, dos estaduais e dos municipais. Estamos de novo num ambiente do quebra-galho.
A Copa vai sair assim, no puxadinho. Mas não se faz um país assim. Os problemas da Copa também são um sintoma.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 20 de junho de 2011