Chegar á sexta economia do mundo é um avanço e agora, o que queremos ser?
Tamanho é documento. Para determinadas decisões, vale mais que qualidade de vida. Uma montadora escolhe onde instalar uma fábrica de automóveis: em um país com mercado de 3,5 milhões de veículos/ano, ainda que baixo nível de vida médio, ou numa nação de pessoas ricas, mas tão poucas que mal compram 200 mil carros novos no ano?
É por isso que a China, com seu PIB encostando nos US$ 7 trilhões, é de fato a segunda potência mundial. Pela mesma razão, tamanho, o Brasil (US$ 2,5 trilhões) assume a condição de sexta economia global.
Além do mais, renda per capita e qualidade de vida são medidos pela média. O Brasil está na 84ª. posição no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), uma medida da ONU. A China, em 101ª. Mas em Shangai, o nível de vida é europeu, enquanto determinadas regiões rurais chinesas são mais pobres que as africanas. Idem para o Brasil. Há cidades e regiões com IDH de primeiro mundo.
O Brasil é bem menor que a China, claro, mas tem lugar garantido entre os grandões do mundo. A parte próspera e desenvolvida já é grande o suficiente.
O Chile, por exemplo, é a melhor história de sucesso na América Latina nos últimos 30 anos. Saiu de trás para ser hoje a maior renda per capita da região. Já o Peru é a estrela do momento. É a China deste lado. Cresce perto de 10% nos últimos dez anos, contra a média brasileira que mal chega aos 4%.
Mas nos meios diplomáticos e econômicos, fala-se do Brasil. É que juntando aqueles dois sul-americanos, dá um PIB equivalente a um sexto do brasileiro.
Na verdade, o Brasil poderia aproveitar melhor esse peso relativo, se o governo tivesse uma visão clara de onde quer chegar.
O agronegócio, por exemplo, tem sido a salvação do país. Salvou o PIB do ano passado e, com o deslanche das exportações, resolveu o velho problema das contas externas brasileiras. De devedor crônico em dólares, o setor público brasileiro passou a credor.
Com a expansão da economia global e, muito especialmente, com o apetite dos chineses, o agronegócio brasileiro estava preparado para se infiltrar entre os maiores do mundo. Mas aqui dentro, esse agronegócio não é tratado com o respeito que deveria merecer e que tem lá fora.
Querem um exemplo? Os governos brasileiros, desde antes de Lula, passaram anos reclamando dos subsídios americanos à produção (deles) de etanol de milho e das taxas e barreiras à importação do álcool brasileiro.
Agora, por falta de dinheiro para bancar o ineficiente etanol de milho, o governo americano começa a desarmar os subsídios e proteções. Nesse momento, o Brasil não tem etanol para exportar. Pior, teve de importar o álcool de milho deles. Humilhação.
Faltou cana, porque faltou apoio financeiro e logístico ao plantio e à renovação dos canaviais. Logo no momento em que, além dos EUA, o mundo busca energias renováveis.
A presidente Dilma está na mídia internacional reclamando da política monetária dos países ricos. Tem até razão. De fato, a abundância de dinheiro barato colocado na praça pelos bancos centrais de EUA e Europa, basicamente, provoca uma valorização forte de outras moedas, especialmente a do Brasil, que oferece muitos negócios ? reais e especulativos ? aos investidores estrangeiros.
Mas de que adianta reclamar? Marcar posição?
Ocorre que aqueles ricos não podem e não vão mudar sua política. Só vão fazer isso quando a economia real deslanchar. O correto, portanto, seria partir disso e propor alguma coisa, no G20, por exemplo, que organizasse os mercados financeiros e compensasse terceiros países por aqueles desequilíbrios.
O governo brasileiro poderia propor mais ? aberturas no comércio internacional de alimentos, por exemplo, uma prioridade nacional. Se queremos mesmo ser a potência agrícola dominante dos próximos anos ? e queremos? ? precisaríamos ter diplomacia para isso, coerente com medidas internas.
Não tem nada de mais
A gente não compra geladeira e fogão toda hora. Normal, portanto, não saber o preço. Também quando a gente se casa, não fica lá calculando o valor dos presentes recebidos.
Ok, muita gente faz isso, a maioria, talvez. Mas não se fica por aí alardeando. Também não se devolve presente. Resumindo: se um amigão seu, homem rico, manda de presente de casamento um fogão e uma geladeira, você agradece, certo?
Mas e se você for um senador da República? Um homem público, defensor da ética, assim tão presenteado? E se o presenteador for um homem de negócios interessado em legislações a serem votadas no Senado? E se for um contraventor?
Pois é, o senador Demóstenes Torres, líder do DEM, ganhou um baita fogão e uma baita geladeira, importados, do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, aquele que, em 2004, filmou um funcionário pedindo propina, no que viria a ser o primeiro escândalo do governo Lula.
Não tem nada de mais, disse o senador. Acrescentou que nem sabia dos rolos do presenteador. Não vai devolver. Seus colegas apoiaram. Qual o problema?
Publicado em O Globo, 08 de março de 2012