—Os espanhóis passaram 25 anos melhorando de vida, assim como a maioria dos europeus. Como admitir agora que o dinheiro não deu?—-
Considerem um cidadão espanhol que tenha hoje 54 anos. Estava, pois, com 18 anos quando o ditador Franco morreu deixando um país atrasado na economia, na política e nos costumes.
Tenho um amigo que se mudou para o Brasil só por causa das espanholas de vestido preto que desciam até os pés. Ele desembarcou no Rio de Janeiro, a trabalho, no início dos anos 70, e ficou absolutamente fascinado. Era a primeira vez que deixava seu país. Conta até hoje que, olhando as cariocas na praia de Copacabana, recordava a imagem das mulheres de preto andando devagar pelas ruas empobrecidas de Madri e das quais só podia chegar perto depois do noivado. Meio exagerado, mas o cara, pelo sim, pelo não, ficou com as mulheres daqui.
Imaginemos, porém, que tivesse voltado para sua terra natal. Esperando um pouco, teria alcançado a riqueza, o bem estar, a educação e isso em um país moderno, cujas mulheres até usam longos pretos, mas o leitor sabe a diferença.
A partir de 1975, a Espanha iniciou uma história de espetacular sucesso. A transição para a democracia foi exemplar, as novas lideranças colocaram como objetivo qualificar o país para a União Européia, à qual tiveram acesso em 1986. Fundamentos assentados, no início dos anos 90, o país entrou numa era de 16 anos seguidos de forte crescimento, bem acima da média européia. Só foi interrompido pela crise de 2008 ? que exibiu para a Espanha e toda a Europa uma agenda não concluída.
Mas voltemos ao espanhol com 54 anos hoje e que ficou por lá. Sua vida melhorou direto em toda sua fase adulta. Ele é mais rico que seus pais, estudou em melhores escolas (e seus filhos estão em instituições ainda superiores), encontrou bons empregos no seu país e em toda a Europa, mora em apartamento novo e maior do que a casa onde nasceu, tem bons carros, circula por cidades modernas e boas estradas, freqüenta grandes espetáculos internacionais, tem expectativa de aposentadoria. Até os vinhos espanhóis, de medíocres na era franquista, tornaram-se estrelas internacionais.
Alguns mais, outros menos, todos os países europeus experimentaram esse avanço. Os que já eram desenvolvidos tornaram-se ainda mais ricos e beneficiários do regime do bem estar social. Nos últimos anos, cresciam mais lentamente, mas – e daí? – já estavam bem de vida. Os emergentes avançaram mais depressa, reduzindo a diferença de renda em relação aos mais prósperos.
A Espanha é o melhor caso. Hoje com renda per capita em torno dos US$ 30 mil, está na média da União Européia. Portugal se atrapalhou no meio do caminho, não conseguiu modernizar sua economia no ritmo necessário, cresceu menos, tem uma renda em torno dos US$ 22 mil. Mas veio do salazarismo, que era ainda mais atrasado que o franquismo. Ou seja, os portugueses dos seus 50 anos e tanto também têm percepção de que o normal é melhorar sempre.
Como a população européia envelheceu, guarda também a percepção de que a era da poupança e acumulação já passou. Trata-se agora de gozar a vida.
Ocorre que o dinheiro não deu. Acreditava-se que acabaria na próxima geração, que teria de iniciar um novo ciclo de poupança. Mas o problema já está aí. A crise de 2008 jogou o desemprego espanhol de uma taxa de 8% para mais de 20%, chegando a 40% entre os jovens. O problema se repete pela União Européia.
A conta da previdência não vai fechar se não for elevada desde já a idade mínima de aposentadoria.
Lideranças européias apressaram-se em colocar a culpa de tudo na especulação financeira especialmente americana. Mas com lidando com a crise, verificaram que não bastava simplesmente esperar passar a recuperação do crédito. Em quase todos os países, o Estado tem obrigações que excedem de muito sua capacidade de arrecadação e de endividamento, este claramente já além do limite.
Para gerar empregos, é preciso modernizar a economia na direção de maior liberalização. Em resumo, os europeus, na maior parte das situações, precisam de menos Estado e mais mercado, mais capital privado.
Só que essas reformas precisam ser feitas por uma geração que construiu e se beneficiou diretamente do Estado do bem estar. Deve ser por isso que as lideranças européias estão mais tapando buracos do que buscando soluções duradouras para reativar suas economias.
Quem sabe a tarefa caberá aos que estão chegando aos seus 40? O fato é que uma geração acostumada a melhorar, de repente topa com a perspectiva de ver seu país empobrecer.
Não é fácil.
Publicado em O Globo, 11 de agosto de 2011