DINHEIRO, TEVE

. Mais mentiras
Tem gente dizendo que o apagão aéreo decorre da falta de investimento no controle do tráfego, por causa do arrocho imposto ao gasto público de modo a pagar a conta de juros. Pode-se até dar um tom dramático à frase: para pagar juros aos banqueiros, morrem os passageiros do Boeing da Gol, sofrem as pessoas nos aeroportos.     
Há aí uma combinação de verdades e mentiras, que resulta, ao final, em um grande equívoco.     
É verdade que os investimentos do governo federal são insuficientes, não apenas no sistema de controle de tráfego aéreo, mas em toda a infra-estrutura. Se faltam rádios transmissores nas torres, também as estradas não prestam e os portos menos ainda. Neste ano, o investimento total do governo federal mal passará dos R$ 10 bilhões.     
É verdade também que o governo está pagando juros da dívida. Já não é verdade que está pagando só aos banqueiros. Toda a classe média brasileira que tem alguma poupança financeira e todas as empresas que aplicam seu caixa também são credoras do governo. Seus fundos de investimento estão lastreados em títulos do Tesouro.     
A propósito, o governo está pagando apenas uma parte da conta de juros. Gastará nisso neste ano algo como R$ 57 bilhões ? bem mais do que gasta com investimentos, é verdade.        
Mas é inteiramente falso dizer que há um arrocho nas contas públicas para pagar juros. Todas as demais despesas, sem exceção, estão em alta ? e alta expressiva. Os gastos com pessoal (salários do funcionalismo) estão subindo neste ano cerca de 13%, depois de uma alta de 10% em 2005.     
A despesa com Previdência, até outubro último, está 19% maior que a do mesmo período de 2005, quando subiu outros 16%.     
O item Custeio e Capital está subindo 14%, em cima de alta fortíssima de 22% no ano passado. Mas a despesa aqui é basicamente custeio (funcionamento da máquina e programas sociais) e quase nada de capital. De fato, de uma despesa total de R$ 130 bilhões prevista para este ano, nessa rubrica, no máximo R$ 15 bilhões serão para investimentos.     
Portanto, é verdade que faltou dinheiro para o sistema de tráfego aéreo, mas porque o governo preferiu distribuir seus gastos em outros itens. Diversas categorias do funcionalismo tiveram bons reajustes salariais neste ano, mas não os controladores.     
E custava quase nada. São cerca de 2.600 controladores ganhando menos de R$ 2 mil mensais. Com cerca de R$ 60 milhões daria para dobrar o salário de todos eles. Isso representa menos de 0,1% do total da folha de pessoal deste ano (cerca de R$ 106 bilhões). Como é que não tinha dinheiro?     
Na verdade, faltou gestão em todos os níveis.     
Começa que a regulação do setor ficou confusa. Tem a Infraero, estatal, um braço da Aeronáutica, que constrói e administra aeroportos. O controle do tráfego é militarizado, da Aeronáutica. E tem ainda a Anac, Agencia Nacional de Aviação Civil, que deveria regular todo o setor, mas cuja competência é limitada pelas outras entidades.     
Os controladores são quase todos sargentos da Aeronáutica, com uma minoria de civis. Esses controladores estão exigindo definição de carreira, plano de cargos e reajuste. O que é impossível na gestão militar, situação em que os quadros e os salários seguem a linha geral, e a disciplina, das Forças Armadas.     
Informações de diversas fontes indicam que os controladores podem não estar sabotando ? e provavelmente não estão mesmo ? mas parece claro que estão, digamos, deixando que os problemas apareçam. Sua reivindicação é passar todo o controle do tráfego civil para um órgão civil.     
O governo sabe disso. O presidente Lula sabe disso. Mas desmilitarizar o serviço significa tirar da Aeronáutica verbas, poder e cargos.     
Falso, portanto, que tenha faltado dinheiro. O governo vai gastar neste ano R$ 165 bilhões no INSS, R$ 128 bilhões em Custeio e Capital e R$ 106 bilhões em Pessoal. Uns trocados, digamos, algo como R$ 400 milhões, ou  0,1% do total, já dariam uma boa arrumada no controle do tráfego aéreo. Se as decisões corretas fossem tomadas a tempo.     
O argumento segundo qual o pagamento de juros explica a falta de investimentos tem sido usado por todos aqueles que pretendem aumentar ou criar gastos novos sem cortar os atuais. Ocorre que, se não for paga a conta de juros, a dívida, que já é grande, vai aumentar. Dívida maior exige taxa de juros maior e, pois, maior despesa financeira mais à frente. A menos que se dê o calote nos juros ? jogando o país na crise financeira.     
Tudo considerado, o pessoal não se conforma com o fato de que o caixa do governo tem limites e que é preciso escolher prioridades. Ou privatizar. Publicado em O Globo, 07 de dezembro de 2006

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