DILEMAS EUROPEUS

Os poupadadores precisam gastar os gastadores, poupar

A velha frase parece bem atual, lá na Europa: se você deve pouco, o problema é seu se deve muito, o problema é do banco. A Grécia, quer dizer, o governo grego deve nada
menos que 300 bilhões de euros para os bancos centrais e demais governos da Zona do Euro. Entre os credores, estão Alemanha e França, países grandes e cujas contas públicas não estão em xeque, mas também Espanha e Itália, que não estão propriamente em condições de absorver prejuízos dos outros. Ou seja, caso a Grécia abandone o euro, seja de quem for a culpa, o problema não será apenas grego. A dor será maior na Grécia, incomparavelmente maior, mas haverá contágio, de tal modo que a União Européia e o grupo da Zona do Euro terão de gastar ainda muito mais dinheiro dos contribuintes para apoiar outros sócios.

Por outro lado, como disse ainda na semana passada o governo alemão, se a Grécia for dispensada do pesado programa de ajuste assinado com seus credores públicos e privados, e que tem sido rejeitado pelos eleitores, toda a política de reequilíbrio fiscal fica comprometida, para toda a Europa. Claro, se os governos podem assinar acordos e depois
simplesmente abandoná-los, com a concordância de todos, credores e avalistas, então todos os outros acordos e programas estão automaticamente rasgados.

Considerando que diversas análises mostram que a Grécia terá dificuldades para cumprir seus compromissos mesmo aplicando à risca o programa acertado com União Européia, FMI e Banco Central Europeu, o dilema está posto. É o clássico “se ficar o bicho come?”.

E aí? Como encontrar algo que salve a cara de todo mundo? Sem entrar em detalhes, o roteiro possível seria assim: primeiro, os eleitores gregos e seus líderes políticos precisam
obter nas eleições de junho um resultado favorável à permanência do país na Zona do Euro. Segundo, o novo governo precisa demonstrar adesão ao plano de ajuste já assinado e
continuar sua aplicação. Terceiro, UE, FMI e BCE e, claro, Angela Merckel, declarando-se satisfeitos com os esforços gregos, se dispõem a negociar algo que seria apelidado de nova
etapa do programa de ajuda. Quarto, os credores, bancos e investidores privados precisam acreditar nisso tudo.

Simples, não é mesmo? Mas a alternativa é um enorme colapso grego e, digamos, a ameaça de “outras Grécias” na Zona.

Segunda natureza
A Alemanha continua sendo a economia européia com melhor desempenho, em todos os quesitos (crescimento, inflação, emprego, contas públicas e externas). Os alemães
continuam sendo o povo mais rico. Dados conhecidos na semana passada mostraram que eles acumulam um patrimônio líquido de mais de 4 trilhões de euros. Eles gastam menos do
que ganham, são poupadores líquidos.

Ora, italianos e espanhóis, principalmente, mas também os franceses são gastadores e estão precisando reduzir dívidas, muito pesadas nos casos de Espanha e Itália. Mas como a
Europa já está em recessão, se todo mundo segurar seus gastos – os alemães por natureza, os demais por necessidade – isso reduz ainda mais a atividade econômica.

A saída lógica, portanto, é óbvia. Os alemães, que têm sobras, devem torrar sua grana, importando produtos e serviços dos vizinhos e gastando euros pessoalmente na França, na Itália, na Grécia, na Espanha, na região toda. Esse enorme estímulo ao consumo compensaria a contenção dos outros. Em resumo, os alemães precisam ser mais irresponsáveis e outros, responsáveis.
A questão é: como mudar a natureza das pessoas?

Dívida para endividados
O movimento de redução das taxas de juros, forçado pelo governo Dilma, começou em 4 de abril, com o Banco do Brasil. Seguiram-se a Caixa e depois as instituições privadas. Deu certo nesse ponto: os juros caíram mais de dois pontos percentuais, conforme mostra o relatório do Banco Central divulgado na última sexta-feira. Mas o volume de empréstimos aumentou pouco na média geral e caiu em alguns itens, como o financiamento de automóveis. Mais importante ainda, os atrasos de mais de 90 dias subiram nos empréstimos para aquisição de carros, de bens em geral e também no crédito pessoal.

Como teria sido possível essa combinação de juros em queda, inadimplência em alta e volume limitado de empréstimos? Só tem uma explicação: os “novos” financiamentos valem
apenas para os clientes de menor risco. No geral,os bancos continuaram “cautelosos”, na expressão do BC, na concessão de novos recursos para as famílias. Cautela compreensível: as famílias já estão bastante endividadas em nível recorde e gastam 22% de sua renda no pagamento de prestações.

Mas o governo quer mais. Por isso, em maio, baixou novas regras para facilitar os empréstimos na compra de carros. Reduziu o Imposto sobre Operações Financeiras e mandou o BC liberar mais dinheiro para os bancos, desde que estes o destinem para aquela finalidade. Levou os bancos públicos a novas reduções de juros, esperando com isso forçar os privados na mesma direção. Ou aderem ao movimento ou perdem espaço.

É verdade que o governo aplicou medidas que estavam naquela proposta dos bancos privados que tanto irritara a presidente Dilma. E o ministro Mantega chegou a dizer, na
semana passada, que agora estava em harmonia com as instituições privadas. Mas a ameaça permanece e é real. Já em abril, a participação dos bancos públicos no total de empréstimos subiu de 43,8% para 44,2%. Deve ter subido ainda mais em maio.

De todo modo, como é difícil fazer com que endividados tomem nova dívida – circunstância de mercado vista em abril – o governo diz preparar medidas para facilitar a vida dos
devedores – ou seja, para permitir a troca de empréstimo velho e caro por operação mais barata. Uma dessas providências – a redução de imposto na liquidação antecipada de
financiamentos – também havia sido sugerida pela chamada banca privada.

Tudo considerado, há dois pontos a observar no curto prazo: 1) se as famílias vão conseguir reduzir seu endividamento e, em seguida, entrar em novos financiamentos para
comprar carros e outras coisas. E, 2) se os bancos serão menos cautelosos e assumirão mais riscos. Mais a médio prazo, fica outro ponto, o de saber se Banco do Brasil e Caixa estão ampliando crédito e reduzindo juros em bases seguras. E saber se os bancos privados estão
mesmo entrando na onda da ampliação do crédito, e do risco maior, ou se vão continuar ousados na propaganda e cautelosos nas operações.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 28 de maio de 2012

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