DILEMAS DE POLÍTICA ECONÔMICA

. Eles reclamam de Meirelles Há cada vez mais gente propondo mudanças no sistema de metas de inflação   A inflação dos últimos meses tem ficado acima da meta, mas apenas ligeiramente. Além disso, boa parte da culpa é dos preços administrados pelo governo, alguns dos quais subiram empurrados por aumento de imposto. Por outro lado, a recuperação do crescimento parece fraca e a moeda, ao contrário, está forte, valorização que pode retirar dinamismo das exportações. Com base em tais argumentos, líderes políticos do primeiro time reclamaram do Banco Central a redução da taxa básica de juros. Mas essa redução vem sendo negada. Estamos falando do Brasil? Até poderia ser, mas na verdade o parágrafo acima acima resume o que está acontecendo na União Européia nas últimas semanas. Os líderes políticos que reclamaram, em público, foram simplesmente os chefes de governo das duas maiores economias da zona do euro, o primeiro-ministro da França, o conservador Jean-Pierre Raffarin, e o chanceler alemão, o social democrata Gerhard Schröder. Portanto, pressões políticas sobre os bancos centrais e debates em torno de suas decisões acontecem em toda parte. Há diferenças, porém. O Banco Central Europeu (BCE) tem autonomia consagrada em lei. Seus diretores têm mandatos de oito anos. O BC brasileiro tem autonomia prática, concedida pelo presidente da República. Seus diretores podem ser demitidos a qualquer momento, mas isso não tem ocorrido. O arranjo tem funcionado, mas há sempre instabilidade, dada a eterna desconfiança de que a qualquer momento o presidente pode cassar a autonomia. É difícil medir quanto isso representa a mais na taxa básica de juros. Mas há um amplo entendimento sobre as vantagens da definição em lei da autonomia do BC, o que elevaria em vários graus a credibilidade do regime de metas de inflação. O projeto de lei sobre a autonomia do BC estava na pauta do governo Lula para este ano. Foi adiado por razões políticas. Mais exatamente, pelas resistências dentro do próprio PT. De fato, para um amplo grupo petista, de políticos a economistas, o presidente Lula deveria simplesmente impor sua vontade política e ordenar uma imediata redução dos juros para promover o espetáculo do crescimento e dos empregos. Foi mais ou menos esta mensagem da última reuniao do paryido, n qual os cardeias do PT clamaram por ampla mudança na política econômica. Trata-se do “fogo amigo”, ao qual o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, tem de responder toda semana. Ele sustenta que o atual arranjo da política econômica está correto e é só uma questão de tempo para que produza a recuperação do crescimento. O arranjo básico é o seguinte: superávit primário com o objetivo de reduzir a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto; regime de metas de inflação (sendo de 5,5% a meta deste ano, medida conforme o IPCA, índice do IBGE); e câmbio flutuante. Esse tripé é utilizado em ampla variedade de países. A divergência entre Palocci e o pessoal do “fogo amigo”é radical. Ou Lula fica com esse arranjo e as limitações que ele impõe, ou joga tudo fora, demite toda a equipe econômica e chama o pessoal do Plano B. Chances de ele adotar a alternativa B? Zero, neste momento e por um bom tempo à frente. Lula não pode perder a âncora Palocci. Mas o arranjo de política econômica admite um amplo e interessante debate “por dentro”. Pode-se discutir o tamanho do superávit (e os modos de calculá-lo), assim como a meta da inflação. Os dois temas estão na agenda brasileira, sobretudo depois que saiu o resultado do PIB no ano passado, indicando que o país empobreceu. As políticas monetária e fiscal não estariam excessivamente austeras? A resposta da Fazenda e do BC sustenta esse foi o preço para se debelar a crise de confiança instalada no final de 2002. E que o Brasil já está crescendo e de forma vigorosa. Ocorre que, diz o BC em suas atas, a inflação do primeiro trimestre, mais alta que o esperado, deve fechar o período com 2%. Como a meta do ano, dada pelo Conselho Monetário Nacional, é de 5,5%, ficariam faltando 3,5 pontos para os demais nove meses, exigindo taxas mensais muito apertadas, entre 0,3% e 0,4%. O regime de metas diz que o BC pode e deve reduzir a taxa básica de juros quando as diversas projeções indicam que a inflação para o próximo período está abaixo da meta. Como há dúvidas quanto a isso no momento, o BC manteve os elevados juros de 16,5% em janeiro e fevereiro. A decisão causou enorme desânimo político e econômico. Acrescente aí a crise Waldomiro e se compreende por que o ambiente é negativo. Como reagir? Uma proposta é alargar a meta de inflação. Esta é de 5,5%, mas há uma margem de tolerância de dois pontos e meio para cima e para baixo. Assim, um IPCA de 8% neste ano estaria no limite da meta. E, para alcançar esse objetivo ampliado, a taxa de juros poderia ser bem menor que os atuais 16,5%. Bastaria, portanto, o BC mirar na parte de cima do alvo. Outros economistas sustentam que seria mais aconselhável mudar a natureza da meta. Em vez de um número cravado para o final do ano (inflação de 5,5% em dezembro de 2004 e 4,5% em dezembro de 20005), pode-se pensar em uma média para um período maior, por exemplo, 7% ao ano daqui até meados de 2006, como sugeriu recentemente a economista Eliana Cardoso. Em qualquer caso, seria como aumentar a trave para o batedor de faltas acertar mais chutes. O BC responde: pode-se mudar a meta, como se mudou no ano passado e no anterior, mas somente quando houver um choque na economia. Ora, não há nada disso no cenário atual, apenas uma inflação que escapou por uma combinação de fatores ocasionais. Se não for combatida, essa inflação passa de circunstancial a permanente. Para os críticos, o custo do desemprego e do baixo crescimento é, no momento, maior que o risco de inflação. Portanto, a queda dos juros deveria ser retomada o quanto antes, já na próxima reuniao do Copom (nos dias 16 e 17de março), que se realizará, como se vê, debaixo de forte pressão política e técnica. Publicado na revista Exame, ediçao 813, data de capa 17/março/2004

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