DESEMPREGO E RENDA, COMO LER AS ESTATÍSTICAS

. CUIDADO COM OS NÚMEROS   A taxa de desemprego de julho último, medida pelo IBGE, veio bem abaixo das expectativas. Ficou em 6,2%, a menor desde 1997, mas não houve comemoração. Pela interpretação dominante, foi uma má notícia. Eis aí mais uma das tantas armadilhas que se escondem nos dados econômicos. A taxa de desemprego é medida a partir de uma pesquisa. Pergunta-se às pessoas – em uma amostra selecionada – se estão trabalhando ou não. Se a resposta é não, o entrevistador pergunta se a pessoa procurou emprego recentemente. Apenas quem procurou e não encontrou é dado como desempregado. Faz sentido. A população economicamente ativa (PEA) é formada pelas pessoas que querem e têm condições de trabalhar. O sujeito que recebe um dinheiro extra e resolve dar um tempo, esse obviamente não está desempregado. Mulheres que se dedicam apenas a cuidar da família trabalham muito, mas na estatística não estão empregadas nem desempregadas. Também estão fora da PEA todos aqueles que, por alguma razão, desistem de procurar emprego. São diversas razões, algumas boas, outras ruins. Uma boa: algum membro da família sobe na profissão, ganha um aumento e assim a mulher ou um filho de 16 anos podem parar de trabalhar. O motivo ruim é o contrário: cai a renda principal da casa e assim outros membros têm que ir à luta. Além dessas situações individuais, é preciso considerar ainda as condições macroeconômicas. Quando o país está em recessão, as fábricas produzem menos, o comércio vende menos. Logo, as empresas precisam de menos pessoas trabalhando, às quais pagam salários menores. Surge assim o pior quadro possível: as pessoas precisam trabalhar, porque a renda familiar está em queda, e assim entram no mercado à procura de serviço, no momento em que as empresas estão cortando vagas. É o momento em que explode a taxa de desemprego. Mas logo em seguida, é normal que caia o número de desempregados sem que isso signifique melhora do ambiente econômico. As vagas continuam escassas e, por isso mesmo, muitas pessoas desistem de procurar emprego, por desalento. Ou seja, não adianta tentar. Também pode acontecer o contrário. A economia cresce, as empresas contratam mais trabalhadores e mesmo assim a taxa de desemprego sobe. A explicação: animadas com o ambiente positivo, mais pessoas resolvem procurar emprego; mas a oferta de vagas cresce em proporção menos que o aumento da demanda. Ao mesmo tempo, crescem o emprego e o desemprego. Tudo considerado, o que se passou em julho último? Não há recessão no país (queda de produção), mas uma desaceleração, com a atividade econômica avançando em ritmo cada vez mais lento. Deu a seguinte combinação: a renda caiu; o número de pessoas trabalhando diminuiu ligeiramente em relação ao mês anterior; e reduziu-se também, em proporção maior, o número de pessoas procurando emprego. Caiu a taxa de desemprego mas, de fato, isso não aconteceu pelo lado bom. Por outro lado, os analistas esperavam que a taxa subisse. Seu argumento: como a renda familiar está em queda, isso deveria estimular mais pessoas a saírem em busca de trabalho, mesmo sendo difícil encontrá-lo. Tem lógica e é o que acontece nessas situações. Por que não aconteceu desta vez? Não se sabe. Eis aí, temos uma porção de números, boa lógica, mas a realidade toda nos escapa. Mais ainda. Quando se dá uma geral na situação de um país distante, que nos é pouco conhecido, relacionam-se alguns indicadores, entre os quais a taxa de desemprego. E sempre a menor taxa é o melhor indicador. Assim, o resultado do desemprego em julho, aqui, é também uma boa notícia. Nas crises recentes (1997, 98 e 99) a taxa subiu muito e isso foi considerado um sinal importante da gravidade da situação. Se desta vez não subiu, por que não considerar isso como indicador de que o quadro agora não é tão feio? Melhor como? Outros indicadores que costumam gerar muita confusão são aqueles referentes à distribuição de renda. Há diversos deles, mas a base é sempre a mesma: compara-se a renda do topo mais rico com a da base da pirâmide. Assim, conforme o país, os mais ricos podem ganhar 10 ou 100 vezes mais que os mais pobres. Quanto maior a distância, pior a distribuição. O Brasil, por qualquer indicador, tem péssima distribuição. O que leva muita gente a concluir que viver aqui é pior do que, por exemplo, viver em países africanos ou em Cuba, onde a distribuição é melhor. Também se costuma dizer que, como a distribuição de renda melhorou pouco no Brasil, a política econômica beneficia apenas os ricos. Conclusões perigosas. A verificação é muito simples. Imagine um país com duas pessoas e renda per capita de mil dólares, sendo que o mais rico ganha 501 e o mais pobre 409. A distribuição é quase um comunismo perfeito. Agora imagine que esse país fez reformas neoliberais e dobrou a renda per capita para dois mil dólares, mas com o rico agora levando 1.200 e o pobre 800. A distribuição piorou, mas a vida melhorou inclusive para o mais pobre. Nos períodos de crescimento nos regimes capitalistas, costuma acontecer isso: os mais ricos e, por isso, mais bem educados, com capital à disposição e acesso a instrumentos como os computadores nos dias de hoje, aproveitam melhor as oportunidades e aumentam sua renda de modo mais rápido. Mas os mais pobres também ganham renda adicional, aproveitando os empregos gerados. A distribuição pode piorar, mas todos estão melhor de vida. É preciso decifrar os números. (Publicado em O Estado de S.Paulo, 27/08/2001)

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