COM O DINHEIRO PÚBLICO

. Marketing de quem?       
     
Apareceu um depósito de R$ 400 mil feito pela agência SMP&B, de Marcos Valério, na conta da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais ? Abong, que, entre outras atividades, organiza o Fórum Social Mundial de Porto Alegre desde 2001. A entidade imediatamente divulgou nota explicando a origem do dinheiro, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), e o destino, justamente a montagem do Fórum deste ano. Acrescentou que recebeu outros R$ 100 mil da ECT para organizar a participação brasileira na edição de 2004 do Fórum, realizada em Mumbai, na Índia.     
Tudo, portanto, dentro da lei. A ECT foi patrocinadora oficial e, pela regulamentação vigente, esse tipo de gasto entra na rubrica de publicidade, devendo ser pago através da agência contratada pela estatal. A SMP&B tinha o contrato com os Correios. E como a Abong se apressou a explicar, não houve qualquer entendimento com Marcos Valério, mas apenas com autoridades públicas.     
No meio do pesado noticiário dos últimos dias, esse caso passou batido, mesmo porque foi completamente esclarecido. Mas estaria politicamente correto? Na verdade, pode estar aí uma forma paralela de ?instrumentalizar? o governo.     
A Abong afirma que, no total, recebeu cerca de R$ 5 milhões do governo federal, por meio de estatais e órgãos da administração direta, para o Fórum deste ano. Além da ECT, foram patrocinadores o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.     
 Ninguém desconhece que o Fórum reúne entidades e militantes com clara orientação política de esquerda. A estrela do evento deste ano foi o presidente Hugo Chávez, da Venezuela. A questão é: podem empresas públicas e o governo, com o dinheiro de impostos arrecadados de todos os brasileiros, financiar um movimento que representa o pensamento de apenas parte dos cidadãos?     
Para o presidente da Abong, Jorge Eduardo Durão, a resposta é claramente sim. Em entrevista à CBN, disse que o presidente Lula foi eleito com um  programa que se aproximava das idéias do Fórum Social. Só isso, na opinião de Durão, autoriza politicamente o governo federal a financiar o evento.     
Mas se esse argumento está correto, isso quer dizer que o governo federal poderá financiar um fórum mundial de igrejas evangélicas se, por exemplo, Anthony Garotinho se eleger presidente. Ou financiar um fórum mundial dos proprietários rurais no caso de o presidente ser militante da União Democrática Ruralista (UDR). Ou um encontro global dos movimentos neoliberais se o PFL emplacar o governo federal.     
É claro que não pode.     
Ao financiar o Fórum Social, o governo federal usou dinheiro público para apoiar um movimento político que representa parte da sociedade. Milhões de brasileiros, da outra parte, que pagam seus impostos, foram assim levados a financiar a propaganda de idéias com as quais não concordam.     
Essa prática se chama instrumentalizar o Estado. E é uma ameaça à democracia.     
Tanto é que as autoridades públicas, ao contrário do presidente da Abong, recorrem a argumentos de marketing para justificar o apoio ao Fórum Social. Assim, Correios, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, estariam marcando presença ? exibindo sua marca ? para os milhares de participantes do evento, eventuais clientes.     
Cola?     
É difícil. Essas coisas de marketing devem ser medidas. É preciso fazer o balanço entre gastos com patrocínio e os possíveis ganhos com serviços e atração de novos clientes. É uma medida técnica, mas ainda assim sempre resta uma boa dose de subjetividade na decisão. É por isso que empresas privadas encaram patrocínios desse tipo com parcimônia, ao contrário das estatais.     
Em resumo, as autoridades e os dirigentes das estatais dirão que gastaram em marketing. Como, aliás, os diretores do BB explicaram a compra de ingressos para um show do PT: era para distribuir a clientes especiais. Comprariam ingressos para um show do Psol? A verdade está na palavra do presidente da Abong ? o patrocínio público saiu porque se tratava do Fórum Social, tão caro ao PT.     
Quanto ao governo federal, administração direta, apoiou o evento através do Ministério do Turismo ? de modo que seria como dar sustentação a um congresso mundial de, digamos, nudistas, que reunisse milhares de militantes com bom poder aquisitivo. Vá pedir isso ao Ministério do Turismo.     
Na verdade, o argumento do turismo só faz algum sentido para a prefeitura de Porto Alegre, aliás, o segundo grande patrocinador do evento, com R$ 1,8 milhão neste ano. De fato, os participantes gastam em hotéis,  restaurantes, lojas e táxis. Ainda assim, seria preciso fazer uma conta de quanto a cidade ganha e quanto gasta com o evento ? também uma medida complexa. Mas, vá lá, o dinheiro roda na cidade. E o que o resto do país tem com esse evento municipal?     
As revelações sobre o ?valerioduto? trazem muitos temas ao debate político. Um dos mais importantes, embora não tão espetacular quanto as malas de dinheiro, é o gasto da administração pública e suas estatais em propaganda e patrocínio ? despesa que aumentou no governo Lula.     
A técnica justifica o gasto do BB quando disputa mercado com outros bancos. Mas não justifica campanhas do tipo ?o brasileiro é legal?, cujo objetivo, está na cara, é melhorar a percepção do governo. Também não justifica o gasto na revista do cunhado do ministro Luiz Gushiken, nem no Fórum Social. Igualmente não faz sentido o gasto de empresas monopolistas.     
É preciso discutir ainda o gasto com patrocínio cultural, altamente suscetível ao viés político e ideológico.     
Tempos atrás, todo governante ? municipal, estadual e federal ? espalhava placas anunciando obras da ?administração fulano de tal?. Isso foi proibido, as placas estão regulamentadas. É preciso tratar agora da propaganda oficial ? um poderoso instrumento político. E não democrático.  Publicado em O Estado de S.Paulo, 01/agosto/2005

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