Com Covid, sem recuperação econômica
Carlos Alberto Sardenberg
Há uma coincidência na montagem de cenários econômicos: o ponto de partida é sempre a vacina.
O presidente do Federal Reserve, Jerome Powel, disse isso; a OCDE foi na mesma toada; e os mercados reagem na mesma direção. Quanto mais cedo tivermos a vacina, mais rápida será a recuperação econômica.
É o óbvio, não? Todo mundo vacinado, toda a atividade econômica pode ser retomada sem medo.
Assim, qual deveria ser o esforço dos governos com um mínimo de bom senso? Ir atrás das vacinas, fazer contratos antecipados com as farmacêuticas, montar os sistemas de vacinação, o que inclui compra de material (seringas, agulhas) e preparar os técnicos.
Saiu a primeira vacina aqui do nosso lado, a da Pfizer, já aprovada na Inglaterra e em vias de aprovação nos Estados Unidos e na União Europeia. Na Inglaterra, a vacinação começa nestes dias. Nos outros, entre o final de dezembro e início de janeiro.
E o governo brasileiro?
Explicou que não vai dar. Que a vacina tem que ser guardada a 70 graus negativos e que não temos equipamentos para isso.
Fomos verificar – e o que encontramos?
Ok, o SUS não tem.
Mas hospitais e laboratórios privados têm. O Fleury, por exemplo, tem, como disse à CBN o infectologista Celso Granato, diretor clínico do laboratório. Disse mais: que a instituição poderia ser utilizada pelo pelo SUS para armazenar as vacinas.
Perguntamos: o governo fez algum contato?
Resposta: não.
Acrescentou o dr. Granato: a vacina da Pfizer vem numa embalagem que dura seis dias. Depois de aberta, ainda há mais cinco ou seis dias de validade para ser aplicada.
E ainda: há no mercado mundial fabricantes que podem entregar esses freezers que vão a 70 graus negativos.
O governo Bolsonaro fez contato nessa direção? Também não.
Falei com dirigentes de outras instituições privadas, alguns dos quais estão em conversa com a Pfizer. O que disseram? Que a farmacêutica reluta em vender as vacinas para instituições privadas de um país sem que as venda também para o setor público ou que haja um acordo com os governos.
Trata-se de uma questão de ética, responsabilidade e, claro, de receio de perder prestígio. Quer dizer que a vacina vai para os ricos que podem pagar e não para o povão?
Por outro lado, é certo que a complexidade da operação com a vacina da Pfizer a torna limitada. Seria limitada aos grandes centros, onde existem os equipamentos, e aplicadas no pessoal da saúde e nos grupos de risco, por exemplo. Mas já resolveria parte do problema, não é mesmo?
Se o governo estivesse, ao mesmo tempo, empenhado na aquisição de outras vacinas, seria um bom ponto de partida. E não temos isso.
Os dirigentes de instituições privadas estão falando com a Pfizer. O governo não, nem com a farmacêutica, nem com as instituições privadas que poderiam ser parceiras no processo.
Como ocorreu, aliás, nos testes. Instituições privadas foram credenciadas para aplicá-los.
Mas agora é mais complexo. Para correr atrás das vacinas, o governo Bolsonaro precisaria entender que a vacina é a condição para a retomada econômica. Como sempre pensou errado – tratar da doença ou da economia – o país vai ficar, neste momento, com os dois piores resultados: com a Covid e sem a recuperação.
O governo Bolsonaro tem uma aposta: a vacina da Oxford/Aztrazeneca, em colaboração com a Fiocruz. Depois de muito questionado, o Ministério da Saúde apresentou um esboço de plano de vacinação e informou que espera receber 15 milhões de doses em fevereiro. E mais 85 milhões ao longo do ano, até que a Fiocruz comece a produzir.
E as seringas? Fabricantes do setor e fornecedores nacionais disseram que a última conversa com o governo federal foi em setembro último. E ficou nisso: só uma conversa.
E o governo federal não fala nada da coronavac, a vacina da farmacêutica chinesa Sinovac que está sendo desenvolvida em colaboração com o Instituto Butantã.
Ok, a China é uma ditadura, sem imprensa livre. Mas os estudos e testes da coronavac são internacionais. E o Butantã é ficha limpa.
Assim, está perto de acontecer o que antecipamos: vacina chegando nos outros países, disponível no Estado de São Paulo, e os brasileiros sem o acesso.