CENÁRIOS DE CRESCIMENTO OU DESACELERAÇÃO?

. Um dia casa cai. Cai? Quando?      
2004 foi um grande ano para a economia mundial. Houve crescimento em todas as regiões, praticamente todos os países. O comércio internacional  cresceu 10%, um número extraordinário. Ainda há contas a fazer, mas é quase certo que 2004 tenha sido o melhor dos últimos 30 anos. Essa forte expansão conviveu o tempo todo com três riscos: petróleo caro, uma realidade, e o temor de crises na China e nos Estados Unidos. Temor justificado, porque os pesados investimentos na China e o aquecido consumo americano têm sido as forças motrizes da economia mundial.     
Curiosamente, 2005 repete o cenário. Os três riscos continuam aí. O petróleo, cujo preço havia subido 30% em 2004, escalou mais 35% no primeiro trimestre deste ano, ficando acima dos US$ 50 o barril. A China continua superaquecida. E nos EUA, permanecem os déficits gêmeos, de 6% do Produto Interno Bruto nas contas externas e de mais de 5% nas contas públicas. (A propósito, se fosse qualquer outro país, já tinha caído nos braços do FMI). E apesar disso, a economia e o comércio mundial continuam em expansão, em ritmo menor do que no ano passado, porém mais forte do que 2003.     
 E daí? Será que o pessoal está exagerando os riscos ou será que as ameaças estão de fato aí, sendo apenas questão de tempo para que se realizem?     
O petróleo está muito caro, mas não falta. O consumo cresceu e continua crescendo, mas até aqui a produção tem sido suficiente. Verdade que a margem está apertada, consumo de 84 milhões de barris/dia, produção um tantinho maior. Isso potencializa o risco político envolvendo grandes produtores. E se a Al Qaeda conseguir detonar uma revolta na Arábia Saudita, dona das maiores reservas e da maior produção?     
A Arábia Saudita é estratégica porque é o único grande produtor com capacidade de aumentar rapidamente a oferta. Os demais, justamente aproveitando o tempo de consumo forte e preços na lua, estão produzindo tudo o que podem. A Arábia Saudita é uma ditadura que parece firme, com eventuais oposições bloqueadas por forças de segurança bem equipadas e não limitadas. Mas justamente por ser uma ditadura, ninguém sabe bem o que se passa por lá. E então, e se houver uma guerra civil? Aí faltaria petróleo e os preços iriam a tal nível que fariam parecer as atuais cotações coisa de liquidação.     
Além disso, se o mundo continuar em expansão, como continua, até onde pode subir o consumo de óleo? Quanto mais a China pode queimar? São especulações como essa que mantêm os preços elevados.     
Não é brincadeira uma alta de 35% em cima de outra de 30% no ano passado. Só para se ter uma idéia, a banda de preços da organização dos Países Exportadores de Petróleo, Opep, fixada apenas um ano atrás, ainda vai de US$ 22 a US$ 28 o barril. No papel, o critério diz o seguinte: preços abaixo do piso, corta-se a produção; acima do teto, aumenta-se. Reparem: poucos meses atrás, a Opep entendia que 28 dólares era um teto. O que fazer quando os preços resistem acima de 50 dólares?     
No momento, é uma festa para os produtores. Mas se essas cotações levarem a uma inflação mundial e, pois, desaceleração e recessão, o consumo despenca e, junto, caem os preços. Depois da crise dos anos 70 e começo dos 80, a cotação do petróleo chegou a menos de dez dólares o barril.     
Estamos perto de uma recessão assim?     
Embora elevados, os preços atuais, descontada a inflação, ainda são inferiores aos da crise dos anos 70, que seriam equivalentes hoje a 80 dólares por barril. Além disso, o mundo aprendeu e é menos dependente de petróleo. Há mais alternativas e se obtém muito mais energia de uma mesma quantidade de petróleo. (A propósito, é glorioso o futuro do álcool brasileiro, nessa era dos carros bi-combustível. Idem para o gás de Santos).      
Além disso, como notou recentemente o FMI, os bancos centrais hoje, e pelo mundo afora, têm mais credibilidade (e mais instrumentos) no combate à inflação.     
Por tudo isso, o mundo continuou em expansão, com inflação muito baixa, mesmo com o petróleo caro. E continua assim. Os prognósticos para 2005 e 06 não apontam risco de inflação.     
Tudo bem, portanto?     
O problema é o efeito acumulação. Quando o petróleo passou dos 30 dólares o barril, especulou-se: um ano assim e a crise está entre nós. A cotação foi a 40 dólares e se comentou: disso não pode passar. Pois está em 50 e o mundo não acabou. Ainda não, pelo menos. E o diabo é que não se sabe qual o limite.     
A mesma história vale para os outros dois riscos. Há pelo menos dois anos a China está à beira da desaceleração ou crash. Nesse mesmo período também se pergunta: até quando o mundo vai financiar os déficits americanos?     
A China segue em expansão e os EUA gastando mais do que têm. Do mesmo modo que no caso petróleo, também se teme o efeito acumulação. Um dia a casa cai, especula-se.     
É verdade que alguns governos ? China, Japão, Coréia do Sul,   detentores de pesadas reservas em dólares (dinheiro e títulos do Tesouro americano) – manifestam seu desconforto com a desvalorização da moeda americana, consequência dos déficits. Mas os EUA são o principal freguês das máquinas exportadoras desses mesmos países. Ou seja, não há interesse em levar a locomotiva americana a um crash.     
Assim como não há interesse em levar a China a uma recessão. Ou seja, há estímulos para um arranjo internacional.      
Resumo da ópera: é um mundo arriscado, mas que cresce e tem chance de escapar do desastre.  Publicado em O Estado de S.Paulo, 11 de abril de 2005

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