. A agressividade americana e o regulamento europeu (2-final) Na semana passada, a Comissão Européia, órgão administrativo da União Européia (UE), anunciou um conjunto de medidas, ou pacote, como se diz por aqui, para arejar o varejo de automóveis. Um varejo e tanto. No ano passado, foram vendidos nada menos que 14 milhões de carros. O novo sistema tem o objetivo de aumentar a concorrência entre os revendedores, podendo levar a uma redução de preços em muitos países da UE. Na verdade, não se trata exatamente de aumentar a concorrência, mas de introduzi-la. Hoje, o sistema, basicamente, funciona assim. As montadoras credenciam os revendedores ou concessionárias, que são necessariamente exclusivas de uma marca e só podem vender ao consumidor final em uma determinada área. Como se um revendedor do Cambuci não pudesse vender para um morador da Lapa. As novas regras, que devem valer a partir de outubro próximo, abrem o sistema. Concessionárias poderão vender para quem quiserem, inclusive por internet e para revendedores intermediários, como os supermercados que, aliás, também poderão comercializar peças. As concessionárias poderão ainda negociar marcas diferentes. Ganharão também a liberdade de importar carros para venda em seus mercados locais. Essa medida, em especial, deve trazer grande impacto, pois os preços variam muito de país para país, diferença hoje acentuada pelo uso da moeda comum, o euro. Aliás, a abertura do varejo de carros faz parte das medidas destinadas a adequar diversos setores à vigência da moeda única. A mudança, claro, ameaça as montadoras gigantes que dominam amplamente o mercado, a saber Volkswagen, Renault, Fiat e Peugeot/Citroen. E por isso mesmo, muitos duvidam que a reforma entre em vigor tal como anunciada. Aliás, o primeiro-ministro da Alemanha, Gehard Schroeder, já explicitou suas dúvidas quanto à conveniência e o momento da introdução das novidades. Eis aí um episódio da história recente da Europa: propostas de abertura que acabam morrendo nas mãos dos políticos e dos interesses estabelecidos de empresas, trabalhadores empregados e burocracias estatais. Esse embate entre abertura e regulamento terá mais um grande capítulo na próxima reunião de cúpula da UE, em março, em Barcelona. O primeiro-ministro da Espanha e atual presidente do conselho da UE, José Maria Aznar, informa que vai apresentar um amplo programa de liberalização das atividades econômicas. Para enfrentar as resistências, Aznar ampara-se em números expressivos. Por exemplo: nos anos 90, um período de crescimento na maior parte do tempo, aumentou a distância entre a riqueza dos Estados Unidos e da UE. O Produto Interno Bruto per capita nos EUA alcançou os US$ 36 mil (pelo critério de Paridade de Poder de Compra), enquanto o europeu mal chega nos 60% desse valor. O trio de ferro da Europa (Alemanha, Inglaterra e França) chega a 70%. E pior: trata-se da maior diferença das últimas quatro décadas. Claramente, o capitalismo à EUA cresce mais rápido que o europeu. Outros números têm a ver com o emprego, mais exatamente com a flexibilidade da lei trabalhista nos EUA versus a rígida regulamentação européia. Por exemplo, a jornada de trabalho é regulamentada na Europa, mas não nos EUA. Também na Europa é muito difícil alterar as horas de trabalho –e, pois, os salários – para adequar a produção ao momento econômico. Nos EUA é muito fácil. Um resultado é previsível. Os americanos, entre os países ricos, são os que mais trabalham, pouco mais de duas mil horas por ano. Os alemães são os que pegam menos, em torno de 1.600 horas/ano. Na França, a média é 1.670 horas, na Inglaterra, 1.750. O outro lado dessa moeda aparece na taxa de desemprego. Com a recessão nos EUA, o desemprego atingiu no ano passado um dos seus piores níveis, 5,8% da força de trabalho. Já na Europa, as taxas de desemprego estão nos seus melhores momentos, depois de alguns anos de crescimento econômico. (Também a economia européia está desacelerando, mas isso começou depois dos Estados Unidos e de maneira mais branda). Pois então, depois de sucessivas quedas que levaram às taxas mais baixas das últimas três décadas, o desemprego europeu parou em pouco mais de 9%, mais de três pontos acima da média americana. (Na Inglaterra, é mais baixo, na faixa dos 5%, mas isso depois das reformas que aproximaram o modelo inglês do americano). Claramente, a tese segundo a qual a redução da jornada, com sua fixação em lei, aumenta o emprego não bate com os números. (A propósito, eis aí um argumento favorável à reforma trabalhista em tramitação no Congresso brasileiro, estabelecendo que normas definidas nas negociações entre empresas e trabalhadores se sobrepõem ao que está fixado em lei, excluídos diversos direitos assegurados na Constituição). Muitos argumentam que a diferença de renda na Europa é menor que nos EUA. Não é uma conta fácil, pois a população nos Estados Unidos é mais variada, dada a maior abertura à imigração. assim, a diferença no nível educacional e na formação da mão-de-obra é maior, o que explica boa parte da diferença de renda. Ainda assim, não se pode dizer que é mais justa uma sociedade que não consegue crescer mais que 3% ao ano e não gera emprego para 10% da força de trabalho quando está nos melhores momentos. Mas se é assim, pergunta-se, por que é tão difícil mudar? Porque o poder político está com que se beneficia do atual modelo. A ver o que acontece com o varejo de carros e o plano macro de Aznar. Publicado em O Estado de S.Paulo, 11/02/2002
CAPITALISMO À EUA OU À EUROPA?
- Post published:9 de abril de 2007
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