BRASÍLIA, UM EQUÍVOCO CARO

. –Eu gosto de Brasília, vou à cidade com regularidade, tenho grandes amigos e amigas lá, mas …. a capital foi em erro enorme—

Esclarecimento: morei duas vezes em Brasília, gostei, meus filhos apreciaram, formamos amizades para sempre. Nada pessoal, portanto, mas Brasília é um equívoco. Nenhuma das razões que justificaram sua construção era sustentável.
Segurança,por exemplo. Na região central do país, a capital estaria mais protegida de ataques militares estrangeiros. Hoje, obviamente, com os mísseis e aviões, não faz o menor sentido. Na época, isso era previsível. Mesmo que não fosse, o principal ?inimigo potencial? do Brasil, na concepção militar, era a Argentina ? e nesse caso a localização de Brasília não fazia muita diferença. Além disso, tirante a imaginação dos militares brasileiros e argentinos, convenhamos que a possibilidade de guerra eram remota.
A capital levaria desenvolvimento para a região central do país. Falso. Como uma cidade pequena e sem indústrias, como era previsto, poderia impulsionar o crescimento de uma área tão ampla e tão desabitada?
A rica situação atual do Centro-oeste deve-se à expansão da fronteira agrícola e às novas tecnologias do agronegócio, que tornaram produtivas principalmente as terras do cerrado. Isso teria acontecido sem Brasília, consequência normal do esgotamento da agricultura no sul e sudeste.
Dizia-se ainda que a concentração da administração pública em um único local, mais ou menos isolado e protegido das pressões populares, daria mais tranqüilidade e eficiência ao governo. Falso de novo. A única eficácia que resultou disso foi uma cultura de defesa e promoção dos funcionários públicos, incluindo a prática da isonomia, pela qual benefícios e vantagens vão sendo transmitidos em cadeia pelas diversas repartições.
Um novo governo consegue nomear a sua turma para os cargos de confiança. Mas é quase impossível demitir o pessoal da administração anterior. Em jogo de auxílio mútuo, as pessoas vão sendo acomodadas pelos inúmeros cargos à disposição ? e esse é um efeito direto da concentração dos órgãos e proximidade entre os colegas. Ficar ? essa é a arte de cada troca de governo em Brasília.
A situação já estava assim delineada quando a Constituição de 88 completou o equívoco. Concedeu autonomia política ao Distrito Federal e uma generosa e paternal dependência econômica. A União ficou responsável pelas despesas de segurança, educação e saúde, sendo que as transferências para o DF são automáticas.
A receita tributária federal cresceu muito da Constituição para cá, de modo que o governo de Brasília recebe um dinheirão de graça. Por que os funcionários do DF ganham bem e seus policiais são os mais bem pagos do país? Ora, porque seus governantes simplesmente podem topar os aumentos e mandar a conta para a União. Fazem a distribuição dos benefícios com o dinheiro dos contribuintes do país inteiro e arrecadam votos.
Em 1957, o então presidente da Academia Brasileira de Letras, Austregésilo de Athayde, antecipou o problema básica de uma capital isolada: ?sem vigilância ou apenas vigiados de longe, governantes e legisladores irão pensar de preferência em si mesmos, nos seus bons negócios, em tirar rapidamente o máximo de vantagens do seu exílio no deserto?.
A ida para o deserto já trazia vantagens. Funcionários só aceitavam a transferência para a nova capital com vantagens salariais e de carreira. Resultado: hoje, a cidade, sem outra força econômica além dos contra-cheques distribuídos pelo governo, tem a maior renda per capita do país. Sem que isso tenha qualquer relação com a eficiência do governo.
Dizem que só a construção da capital já representou um forte impulso ao crescimento econômico. É verdade que a construção civil puxa a expansão. Mas o efeito seria o mesmo se o dinheiro público fosse aplicado em ferrovias e portos, por exemplo.
Além disso, a pressa de JK levou a desperdícios e preços elevados. Tudo considerado, Brasília foi um programa de governo, destinado a eleger JK cinco anos depois da inauguração, e que deixou um imenso ônus para o país. Foi tão insensato quanto seria hoje levar a capital para o Norte, para proteger e desenvolver a Amazônia.
Sem contar o maior pecado: ter iniciado o processo de destruição do Rio de Janeiro.

Publicado em O Globo, 22 de abril de 2010

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