BRASIL RECEBENDO MENOS INVESTIMENTOS

. Dólares ariscos Cresce o medo de investir nos países emergentes Então não são apenas os especuladores internacionais que estão castigando Brasil com a retirada de seus dólares. Também as maiores companhias do mundo, cujos investimentos não se baseiam na cotação do dólar de hoje mas em projeções de longo prazo, mostram-se mais reticentes em inaugurar ou ampliar negócios no Brasil. A prova está numa pesquisa concluída pela consultoria AT Kearney, que entrevista os presidentes ou os segundos executivos das mil maiores corporações globais para montar o Índice de Confiança de Investimento Direto Estrangeiro. O resultado é um estridente alerta: do ano passado para cá, o Brasil caiu da terceira para a 13a. posição como país atraente para receber aqueles investimentos que vão para o setor produtivo, e não apenas para o mercado financeiro. Desde julho de 1998, o Brasil se sustentava entre os quatro primeiros. Portanto, trata-se de uma virada significativa. Por que ocorreu? Indo do geral para o particular: as grandes companhias perderam o apetite em quase todo o mundo. Estão pessimistas, não tanto quanto estavam no ano passado logo após os atentados de 11 de setembro, mas expressam sérias dúvidas sobre um fator essencial, que é recuperação da economia norte-americana, muito fraca até aqui. Nas circunstâncias atuais, que incluem as preocupações com governança corporativa (as pressões sobre as companhias depois da crise dos balanços) e com o custo de segurança, por causa das ameaças terroristas, cerca de 60% das empresas pretendem manter o mesmo nível de investimento externo do ano passado. Mas o número das corporações que pretendem cortar superou o daquelas que planejam investir mais. Depois desse pouco entusiasmo global, há desânimo em relação à América Latina em particular. As intenções de investimento na região caíram 40% em relação ao ano passado. Motivos alegados pelos executivos: as reformas econômicas e políticas andam devagar, as privatizações tornam-se escassas, há incertezas políticas, tensões sociais e violência. E quando finalmente chegam ao Brasil, os executivos citam as incertezas envolvendo a “transição para a era pós-Cardoso” para acrescentar mais alguns pontos ao seu sentimento de prudência e ceticismo. Na verdade, esse fator da transição presidencial no Brasil aparece em sexto lugar na lista das circunstâncias que afetam o investimento. Mas olhando bem, verifica-se que vários pontos estão de algum modo ligados à eleição presidencial. Por exemplo, o fator que mais afeta a decisão de investimento, citado por 91% dos executivos, são as reformas políticas e econômicas.Mais reformas, mais investimentos, e inversamente. De que reformas se trata? As nossas bem conhecidas: previdenciária (especialmente do setor público), tributária, administrativa, da legislação trabalhista e do judiciário. Todas elas, por sinal, estão relacionadas no documento intitulado Agenda Perdida, coordenado por José Alexandre Scheinkman, discutido e escrito por um grupo de 16 economistas. (Está no site www.iets.inf.br). Scheinkman havia sido convidado pelo candidato Ciro Gomes para apresentar sua colaboração. O economista foi além. Reuniu acadêmicos e consultores que já tinham estudos sobre os itens da Agenda e sistematizou-os num único texto, de altíssima qualidade e apresentado como colaboração ao debate em geral. As propostas – com um olhar especial para a microeconomia – visam melhorar o ambiente de negócios, facilitar investimentos e aumentar a produtividade da economia brasileira. Ora, as reformas, por pressão política, perderam o ímpeto no Brasil já no final do governo FHC. Pouco aparecem no debate pré-leitoral, inclusive na campanha do candidato governista, José Serra. Todos os candidatos apostam numa linha básica: para voltar a crescer basta produzir megasuperávits no comércio externo, o que deve ser obtido com políticas de apoio às exportações e restrições e substituição de importações, tudo isso combinado com redução da taxa de juros e estímulo à indústria nacional. Mais do que isso, o líder disparado, Luís Inácio Lula da Silva, carrega compromissos de aumento generalizado do gasto público para projetos sociais. Já a Agenda Perdida – cujo nome quer dizer que se trata de uma agenda esquecida pela política – mostra que o gasto social no Brasil já é muito elevado, o problema sendo de ineficiência na administração.     Por outro lado, a pesquisa da AT Kearney mostra que as companhias globais agora dão mais peso aos acordos internacionais de livre comércio como fator de estímulo aos investimentos. Dizem que a Associação de Livre Comércio das Américas, Alca, poderia impulsionar a América Latina, já que o Mercosul parece pequeno e quase morto. De novo, os candidatos ou dão pouca importância a isso, como parece ser o caso de José Serra, ou mostram-se francamente hostis, como Lula, para quem a Alca é um processo de anexação da América Latina pelos EUA. Por certo, há muito de palanque nessas atitudes dos candidatos. Mas não se pode negar que há um viés anti-reformas e antiabertura comercial. Enquanto os candidatos falam em aumentar o superávit comercial, a Agenda Perdida nota que o mais importante é aumentar o fluxo total de comércio, portanto, com aumento também das importações. Por isso, propõe redução de tarifas. Outra divergência notável. A Agenda sugere a flexibilização da legislação trabalhista, a forte redução do alcance da Justiça do Trabalho e a dmininuição dos encargos sobre a folha salarial para estimular a formalização do mercado de trabalho. Assessores de Lula já deram seu contra. Também acham que a informalização é um grande problema, mas pretendem combatê-lo simplesmente com mais fiscalização. Como se pudessem fiscalizar mais da metade da economia brasileira, que está na informalidade. Eis aí, incerteza com a era “pós Cardoso” não é coisa de especulador. Tem a ver com a direção da mudança proposta. Mas a pesquisa da AT Kearney traz também boas notícias. Embora rebaixado, o Brasil permanece numa boa posição como país receptor de capitais externos. Está à frente, por exemplo, de Índia, Rússia, Coréia do Sul, em parte por causa do tamanho do mercado local, um fator determinante. Na verdade, o vice-presidente da AT Kearney, Paul Laudicina, acredita que o Brasil pode estar passando por um momento de espera. Ou seja, os investidores conhecem o Brasil e podem voltar em breve. Mas desde que, acrescenta o executivo, o novo presidente consiga reconquistar a confiança dos investidores locais e internacionais com “políticas consistentes”. Não são as da campanha. Ou seja, o eleito talvez tenha de começar a mudança pelo seu próprio programa. Publicado na revista Exame, edição 776, data de capa 02/0utubro/2002

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