BRASIL E ARGENTINA

. Artigos Nem tanto ao mar, nem tanto à terra Há diversos problemas atropelando as expectativas em relação à economia brasileira. A maior parte vem de fora: petróleo caro, Argentina instável, queda do euro e alta dos juros pagos por empresas nos Estados Unidos. As complicações internas referem-se todas ao aumento do gasto público, especialmente por conta do reajuste do salário mínimo e das correções que vêm sendo dadas pelo Judiciário ao seu funcionalismo e que acabarão se estendendo aos demais setores do governo. Mais gasto significa mais imposto, já que deputados e senadores nem sequer cogitam de cortar alguns gastos para compensar aumentos em outros itens. E elevar imposto não é propriamente uma política pró-desenvolvimento. O outro problema nosso é o comércio exterior, que deve apresentar déficit. Isso posto, como avaliar a reação dos diversos indicadores da economia brasileira? O que significam dólar a R$ 1,93, queda das bolsas e aumento dos juros? A interpretação positiva é que essa deterioração é pequena quando comparada ao que aconteceu em momentos anteriores. Os juros chegaram a subir para 40% ao ano, o dólar passou batido dos dois reais, a bolsa caiu quase 10% num único dia, bilhões de dólares escaparam do país, bancos quebraram.. A reação atual dos mercados parece pequena oscilação em relação a esse passado recente. (Veja o artigo Atravessando a Turbulência, na seção Política Econômica). Por outro lado, o fato de ter havido tal reação negativa indica que a recuperação da economia brasileira, embora notável, é claramente insuficiente. Por exemplo: se tivéssemos feito a reforma tributária, as empresas brasileiras teriam custo menor para exportar; se tivéssemos já avançado na reforma administrativa, com a redução de quadros de pessoal no Judiciário, no Legislativo, em governos estaduais e prefeituras, as pressões sobre as contas públicas seriam menores; se o Congresso já tivesse votado a lei das SA, a reforma do mercado de capitais estaria avançada e os juros internos seriam menores; se tivessem havido mais privatizações, a dívida pública hoje seria menor. E por aí vai. Voltaremos ao assunto. Mas a lição é clara: aquela idéia que tanto agrada o presidente FHC, de que a era das reformas acabou e agora é só curtir o crescimento, não passou no teste. Do jeito que está, o país até cresce, algo como 4% ou 5% ao ano, mas isso é pouco para as necessidades e muito menos do que vêm fazendo outros países emergentes. Ao contrário do que pensa muita gente, nosso problema não é reforma e privatização de mais. É de menos. A hora da verdade ainda não chegou   Os pacotes anteriores do presidente Fernando de la Rúa e seu ministro da Economia, Jose Luiz Machinea, faziam sentido: havia uma combinação de aumento de impostos e corte de gastos públicos com o objetivo de reduzir o déficit fiscal e, por consequência, diminuir a necessidade do governo tomar novos empréstimos. A idéia, num clássico estilo FMI, era restabelecer a credibilidade. O último pacote argentino, lançado nesta segunda, também faz sentido: trata-se de uma redução de impostos e de encargos para empresas que fizerem novos investimentos e contratarem pessoal. Há também benefícios e garantias para pessoas que comprarem casa própria. Numa economia que corre o risco de afundar em grave deflação – quando empresas não investem e consumidores não compram, todos temendo o pior – é preciso dar estímulos de gastos para pessoas e empresas. O que dificilmente faz sentido é juntar esses pacotes de orientação diversa. Em política econômica, é preciso ter objetivos precisos, de modo que todos reconheçam o rumo à primeira vista. Quando é preciso dar muitas explicações, a coisa já complicou. O governo de la Rúa hoje repete muitas circunstâncias do governo FHC no segundo semestre de 1998, na crise que antecedeu a desvalorização do real. A origem de tudo é a brigalhada dentro da coligação governista em torno de questões políticas (a repartição do poder) e da linha dominante de política econômica. Enquanto não se decide a parada, o governo avança em zigue-zague. Ora, a turma do ajuste fiscal emplaca um pacote; ora o pessoal que quer mudar a política cambial parece estar mais perto do presidente. É verdade que ainda é dominante na Argentina o apoio ao câmbio fixo (um peso igual a um dólar, a conversibilidade). Mas há uma diferença em relação ao passado. Antes a maioria pró-paridade acreditava nas virtudes dessa política. Hoje, essa maioria se forma pelo lado negativo, porque não se vislumbra alternativa. Nesse ambiente frutifica justamente o debate em torno das alternativas – e essa discussão, por si, enfraquece a política cambial. Esse não foi apenas o caso brasileiro, mas o de todos os países que passaram por mudanças bruscas de política econômica. (Raul Alfonsín, presidente da UCR, o partido de la Rúa, falou contra a paridade. Anuncia-se que Domingo Cavallo, o criador da conversibilidade, apresentará estudo mostrando como a falta de reformas enfraquece o regime cambial. Não lembra a escalada de ataques à política cambial de Gustavo Franco?) Lembram-se como a crise terminou no Brasil: com a desvalorização do real (que custou a cabeça de dois presidentes do Banco Central), seguida da adoção do regime de metas de inflação e da adesão firme do governo ao programa de ajuste fiscal baseado no acordo com o FMI. Depois dos três meses turbulentos que se seguiram à desvalorização do real, o cenário apareceu claro a todos. O governo se aferrou a ele, e assim foi. Algo parecido terá de acontecer na Argentina. Não digo que a desvalorização é fatal, mas para escapar dela, que seria dolorosa, o pessoal lá terá encontrar um novo arranjo, uma mudança forte, que recomponha a base política e relance a política econômica numa determinada direção que todos vejam como clara e factível. Até lá, vai ser assim, derruba daqui, agarra dali. (Veiculado inicialmente, em versão um pouco diferente, no site da Patagon)

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