AVANÇOS NA PREVIDÊNCIA

. Um avanço importante Além de reduzir o déficit previdenciário, a reforma vai produzir mais economia nos estados Se a reforma da Previdência for concluída tal como saiu na primeira rodada de votação na Câmara dos Deputados, será um avanço inequívoco nos dois sentidos em que poderia ser: uma redução imediata de gastos públicos e a criação de um regime previdenciário mais justo e, sobretudo, com equilíbrio de médio e longo prazo. Pelas contas do Ministério da Previdência, o déficit previdenciário dos próximos 20 anos sofrerá uma redução de R$ 50 bilhões, a valor presente e com taxa de desconto zero. Portanto, algo como R$ 2,5 bilhões ao ano em dinheiro de hoje. Raul Velloso, um dos mais respeitados especialistas em contas públicas, registra que, acrescentando a taxa de desconto de 6%, o ganho se reduz para R$ 30 bilhões em 20 anos, o equivalente a menos de 10% do passivo atuarial do regime dos servidores públicos da União. O economista José Márcio Camargo escreveu no boletim da Tendências Consultoria, da qual é diretor, que o ganho fiscal deve ser algo superior a R$ 2 bilhões, considerando-se apenas o orçamento do governo federal. Números bem mais espetaculares foram apresentados pelo economista Hélio Zylberztajn, da Universidade de São Paulo, com base em um amplo estudo que trata de avaliar a “dívida previdenciária implícita” – ou seja quanto o país deve a todos os seus atuais trabalhadores e aposentados, dos setores privado e público. Dá algo equivalente a R$ 4,5 trilhões, ou três vezes o Produto Interno Bruto previsto para este ano. (Não se assuste, caro leitor, cara leitora, é dívida a ser paga no correr de gerações). Para Zylberztajn, a reforma aprovada na primeira rodada de votações na Câmara representa uma economia de 10% nessa dívida. Considerando todas essas contas, seria a economia obtida uma quimera? Não, é a resposta praticamente unânime dos especialistas. Alguns, como ex-minitro da Previdência, José Cechin, acham mesmo que a reforma somente será eficaz como instrumento de ajuste fiscal, já que teria sido feita sem método e sem doutrina. Ainda assim, é preciso admitir que a economia nas despesas públicas vem acompanhada de algumas mudanças significativas e que vinham sendo tentadas – e derrotadas – desde a Constitutição de 1988. Um exemplo? A fixação do sub-teto para os vencimentos dos funcionários públicos estaduais. Os líderes do Judiciário comemoraram como grande vitória, que, de fato, foi, a fixação do sub-teto dos magistrados estaduais em 90,25% dos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Em dinheiro, dá R$ 15.400, em vez dos R$ 12.800 previstos na primeira versão da reforma. Mas o importante aqui é que se fixou o sub-teto na Constituição. Também se especificou que estão incluídos nesse valor o salário-base e todos os penduricalhos que se inventaram ao longo destes anos justamente para furar o teto. Até aqui, a Constituição dizia que haveria um teto a ser fixado em outra legislação, que nunca saiu. Desse modo, além de reduzir o déficit previdenciário atual, a reforma vai produzir uma economia imediata nos pagamentos dos governos estaduais a seus funcionários da ativa. Todos os salários excedentes serão reduzidos ao sub-teto do repectivo setor. No caso do Judiciário, o limite é igual para todos os Estados, aqueles R$ 15.400. Para os funcionários do Executivo, o teto será o salário do governador que, naturalmente, varia de Estado para Estado. Mas a regra é auto-aplicável. Entra em vigor em seguida à promulgação da reforma constitucional, sem necessidade de legislação complementar. Haverá uma batalha judicial, com certeza, mas os especialistas dizem que o texto da emenda constitucional é consistente. Outra modificação essencial foi a introdução da contribuição previdenciária dos servidores inativos. No final de 1998, em um momento econômico particularmente difícil, com todo o mundo sofrendo os efeitos da crise dos tigres asiáticos e da moratória da Rússia, o governo FHC tentou um programa de ajuste que incluía a taxação dos inativos. A Câmara derrubou a proposta e foi um Deus nos acuda. Os mercados desabaram, os ativos brasileiros foram a pique. Tomou-se aquela votação como simbólica, a indicação de que não havia condições para um ajuste duradouro nas contas públicas, pois os políticos se recusavam a mexer no principal problema, o déficit previdenciário. Pois agora a contribuição dos inativos foi aprovada, por margem apertada, é verdade, 326 votos para um mínimo de 308, mas passou com os votos de partidos da situação e oposição. Há cinco anos, fora derrubada também com o voto de todos os partidos. É, portanto, um forte sinal de como amadureceu a compreensão da necessidade de equilibrar as contas públicas e o entendimento de que isso não é de direita nem de esquerda. Ainda no que se refere ao curto prazo, a reforma leva a um adiamento das aposentadorias dos atuais servidores, que salvaram a integralidade (vencimentos na inatividade iguais ao da ativa), mas terão que cumprir condições mais difíceis para obtê-la. No longo prazo, criou-se um regime equilibrado para o aposentadoria dos funcionários que entrarem para o serviço público após a aprovação da final da reforma. Esses novos aposentados terão o limite de R$ 2.400 (igual ao do INSS, o que elimina privilégios). Para mais do que isso, terão que contribuir para fundo de pensão. Em outro avanço notável, a reforma aprovada determina que tais fundos serão necessariamente de contribuição definida – ou seja o beneficiado receberá valor proporcional a seus pagamentos (a serem completados pelo governo na proporção de um para um) e à rentabilidade do fundo. E este será o ponto crítico no Senado, para onde o texto será remetido após a segunda votação na Câmara, esta normalmente apenas uma consolidação do primeiro turno. A Associação dos Magistrados Brasileiros e o ministro Maurício Correa em pessoa já informaram que vão tentar convencer os senadores a mudar o regime dos fundos para benefício definido. Se isso for obtido, bastará então determinar em lei complementar que o fundo de pensão será necessariamente público, estatal, e que complementará a aposentadoria do servidor na medida necessária para chegar a valor equivalente ao salário da ativa. Com isso a integralidade estará recuperada para os futuros servidores e o déficit previdenciário estará recontratado. É claro. Se tal fundo não dispuser dos recursos necessários para a complementação da aposentadoria naqueles termos, para quem sobra a conta? Para a “viúva”, que será a patrocinadora em última instância. Ou seja, se os fundos não forem de contribuição definida, acabou-se a reforma. De outro lado, verifica-se como foi hábil a manobra dos líderes governistas. De caso pensado ou não, o fato é que se aproveitaram da confusão em torno do sub-teto e discretamente enfiaram o fundo de contribuição definida no corpo do texto constitucional. Com isso, tornou-se mais difícil qualquer modificação no Senado. Tudo considerado, a votação da reforma da Previdência na Câmara – com os deputados enfrentando a oposição hostil dos servidores e com o PT demonstrando adesão prática, e dolorosa, ao princípio do equilíbrio das contas públicas – representou um avanço institucional dos mais importantes. É difícil que o Senado provoque um retrocesso. Publicado na revita Exame, edição 799, data de capa 20/08/2003

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