. Os culpados são outros A meta de inflação fixada pelo governo Lula para este ano, de 5,5%, medida pelo indicador IPCA, é muito ou pouco? Que tal comparar? Dos 25 principais países emergentes, cujos indicadores são acompanhados pela revista Economist, apenas seis têm inflação acima dos 5,5%, incluindo o Brasil. Para os outros dezenove, a média é de 3% ao ano. E por falar em meta de inflação, a do México é justamente de 3%. Outra questão atual: a meta de superávit primário nas contas públicas, fixada pelo governo Lula para este ano e para os próximos três, é de 4,25% do Produto Interno Bruto. É muito ou pouco? De novo, comparando: a Turquia tem meta de 6,5%, em acordo com o FMI. É verdade que o México, que não tem acordo com o FMI, faz superávit primário menor, na faixa de 2,5% do PIB. Mas o que é e para que serve esse superávit primário? Trata-se do saldo da conta receitas menos despesas correntes e de investimento. Despesas correntes incluem: salários, aposentadorias, salário desemprego, Bolsa Família, merenda escolar, enfim, tudo que se refere ao funcionamento da máquina administrativa (escolas, hospitais, polícia, quartéis, repartições em geral, como INSS, Receita Federal, Palácio do Planalto, fóruns, etc..) Investimentos, todo mundo sabe o que é, gasto em obras. Quando se paga tudo isso e sobra algum dinheiro, isso é o superávit primário. Para que serve? Para pagar a conta de juros.Vai daí que quanto maior a dívida pública, maior a conta de juros, maior o superávit primário necessário. Assim, o setor público no México economiza pouco, mas sua dívida é pequena, na faixa dos 25% do PIB. Já a dívida brasileira é de 57% do PIB. O México já teve endividamento maior, em 1966, quando alcançou 45% do PIB. Nesse ano, o governo mexicano conseguiu um superávit de 4,8% do PIB, maior do que o obtido atualmente pelo governo brasileiro com dívida maior. Países ricos também fazem superávit. Canadá, por exemplo, que tem um enorme serviço público, obteve 8% nos últimos dois anos. Além disso, o Brasil faz superávit primário nas suas contas públicas apenas desde 1999. Este é só o quinto ano de ajuste fiscal. Outros países têm feito o superávit por anos a fio, como Grécia, Itália e Espanha, para conseguir uma paulatina redução de sua dívida pública e, em consequência, do risco país. Todos esses países, com inflação menor e superávit maior, crescem e cresceram mais que o Brasil. Portanto, toda essa conversa de que a meta de inflação no Brasil é exagerada; que se faz um ajuste de contas públicas muito forte; que com esse esforço monetário e fiscal não dá para crescer – não passa disso mesmo, conversa fiada. Portanto, em conclusão paralela: se o governo parasse de fazer economia e desandasse a gastar; se elevasse a meta de inflação para 10%; e se reduzisse a taxa básica de juros para 8% – isso não produziria crescimento consistente. Apenas daria em mais inflação, alta do risco país e logo, logo, juros mais elevados para as pessoas e empresas. Um exemplo: a Vale do Rio Doce, nas condições atuais, tem dinheiro, crédito e projetos prontos para novos investimentos. Não os inicia não por causa da política econômica do ministro Antonio Palocci, mas por impasses ambientais ou falta de regras e normas para os negócios. Se a taxa de juros caísse para zero amanhã, a Vale continuaria sem condições de tocar seus investimentos. Em 2000, último ano bom da economia brasileira, o país cresceu 4,4% com taxa real de juros na faixa dos 10% ao ano e fazendo esforço de controle das contas públicas. Hoje, considerando a inflação dos próximos doze meses, os juros reais estão na casa dos 9%. Ou seja, dá para crescer pelo menos 4% com as atuais condições macroeconômicas atuais. Ainda mais que a situação das contas externas hoje é infinitamente superior. Passaram de um déficit de US$ 24,5 bilhões em 2000, para um superávit de US$ 4,1 bilhões no ano passado. Ou seja, é menor a dependência de financiamentos externos. Hoje, praticamente todos os países sérios praticam política econômica baseada num tripé: ajuste das contas públicas (de modo a reduzir e ou equilibrar a dívida do governo); regime de metas de inflação (para mantê-la no chão); e taxa de câmbio flutuante. É o que o Brasil tenta fazer desde 1999, após a desvalorização do real. Se o Brasil tem crescido pouco, outros países, assentados no mesmo tripé, crescem espetacularmente. Ou seja, deve haver outra coisa atrapalhando o Brasil. Também a teoria moderna diz que a estabilidade macroeconômica é condição necessária, mas não suficiente para o crescimento. Este depende de muitas outras coisas (como ter mão de obra educada, por exemplo), mas o essencial é a criação de um ambiente favorável aos investimentos privados. O governo pode ajudar com investimentos aqui e ali, com crédito subsidiado, alguma proteção para esta ou aquela indústria, mas isso não será a chave do espetáculo. Ao contrário, todas essas ações públicas devem ser acessórias e pontos de apoio ao investimento privado, nacional e estrangeiro. Grandes companhias telefônicas investiram bilhões de dólares no Brasil quando as condições macroeconômicas eram até piores ou semelhantes às atuais. Mas havia regras claras, definidas em leis e contratos, e a certeza de que seriam mantidas. É isso que falta. Como, entretanto, é difícil e demorado construir esse ambiente institucional pró-negócios (é um trabalho chato, sem glamour), muita gente prefere esculhambar juro e superávit primário. Claro que se pode fazer ajuste fino nessas coisas, mas muito fino, porque, no essencial, ajuste das contas públicas e combate à inflação tem que ser para sempre. E dá para crescer com isso. Os culpados são outros. Publicado em O Estado de S.Paulo, 29/03/2004
AUSTERIDADE É PARA SEMPRE
- Post published:9 de abril de 2007
- Post category:Coluna publicada em O Globo
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