As estatais não têm jeito

 

Não é por nada, não, mas se a gente pensar seriamente na história recente da Petrobrás, sem paixões e sem provocações,  vai acabar caindo na hipótese maldita, a privatização. 

 A estatal teve bons momentos, colecionou êxitos, acumulou tecnologias e formou quadros. Mas sempre que isso aconteceu, não foi porque se tratava de uma estatal. A companhia foi bem sempre que agiu como petrolífera, digamos, normal, quase independente. 

Já quando foi mal, como vai hoje, a causa é evidente: a condição de estatal.

Radicalizando, se poderia dizer que quando a Petrobrás funciona, consegue isso apesar de ser estatal. Mas todos sabemos que há petrolíferas estatais muito bem sucedidas pelo mundo afora. 

Como também há outras simplesmente desastrosas, e como a própria Petrobrás alternou períodos positivos e negativos, a questão é: como uma estatal pode fracassar?

A resposta está diante de nossos olhos. Trata-se do pecado mortal da politização, que se manifesta de duas maneiras complementares:  a nomeação de diretores e chefes não por sua competência e sua história na empresa, mas pela filiação política ou sindical; e a definição dos objetivos e meios da empresa não por análises econômicas, e sim pela vontade dos governantes e das forças políticas no poder.

Não é preciso pesquisar nada para se verificar que a Petrobrás caiu nesses dois buracos nos governos Lula e Dilma. A disputa pelos diversos cargos da companhia tornou-se pública, com os partidos e grupos reclamando abertamente as posições de que se julgavam merecedores. Lula, em entrevista formal, contou o quanto interferiu no comando da estatal, levando-a a ampliar projetos de investimentos claramente incompatíveis com as possibilidades da empresa e as condições do mercado. 

Foi a atual presidente da Petrobrás, Graça Foster, quem admitiu o irrealismo daqueles planos. E também o ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo, Haroldo Lima, reconheceu que a vontade de Lula prevaleceu sobre os argumentos técnicos na definição das regras para a exploração do pré-sal.

Ora, isso demonstra que a blindagem montada no governo FHC simplesmente não funcionou. Em 1997, por emenda constitucional o monopólio do petróleo foi transferido da Petrobrás para a União. A partir daí, a União passou a leiloar os direitos de exploração dos poços, abrindo a disputa para empresas privadas nacionais e estrangeiras. A Petrobrás passou a competir no mercado.

Para garantir a despolitização, o governo estabeleceu regras de governança para a estatal e criou a tal Agência Nacional de Petróleo, órgão independente, administrado por diretores técnicos, com mandatos, encarregada de organizar e fiscalizar o setor de petróleo, gás e outros combustíveis. 

Parecia um bom arranjo. O presidente da República indicava os diretores das agências, mas respeitando critérios de conhecimento técnico e experiência, que seriam checados pelo Senado, responsável pela aprovação final dos indicados.

Isso não eliminava as decisões dos políticos eleitos pelo povo. Como acionista majoritário da Petrobrás, por exemplo, o governo federal poderia determinar a estratégia da companhia no Conselho de Administração, como acontece em qualquer grande empresa. Mas a execução tinha de ser feita tecnicamente, mesmo porque a empresa havia perdido o monopólio e precisava competir. 

O que aconteceu no governo Lula? O Senado, como faz nos outros casos, simplesmente tornou-se um carimbador de indicações para a diretoria da ANP, assim como para as demais agências reguladoras. Os partidos passaram a lotear abertamente esses cargos. No governo Dilma, o Senado negou uma única indicação, e por um péssimo motivo. Tratava-se de um quadro competente, mas os senadores da maioria queriam mandar um recado para a presidente, colocar um obstáculo para cobrar uma fatura.

Tudo considerado, o que temos? As regras de governança e o sistema de agências atrapalharam um pouco, deram mais trabalho aos governos Lula e Dilma, mas não impediram que se politizasse inteiramente a companhia e o setor. A crise dos royalties é uma consequência disso. Também os cinco anos sem leilão de novos poços, o que atrasou a exploração do óleo. E isso  levou o Brasil a ser cada vez mais dependente da importação de óleo e combustíveis, ao contrário do que dizia a propaganda oficial do governo Lula.

Sim, a nova presidente da Petrobrás tem feito alguma coisa para levar a companhia a uma atuação mais técnica. Mas são evidentes as suas limitações.

O PSDB ataca a gestão petista na Petrobrás e diz que, no governo, faria a “reestatização” da companhia. Ou seja, voltaria ao sistema da era FHC. 

Nada garante que isso garantiria despolitização. Na verdade, a história recente prova o contrário: na política brasileira, não há como garantir uma gestão eficiente das estatais – e sem falar de corrupção.

Logo …

 

 Publicado em O Globo, 14/03/2013

Carlos Alberto Sardenberg

 

 

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