AS CONDIÇÕES PARA O CRESCIMENTO EM 2003

. Estréia adiada A economia não deve piorar no segundo semestre. Mas o espetáculo doi crescimento só começará em 2004 Mal o presidente Luiz Inácio Lula da Silva marcou para este mês de julho o início do “espetáculo do crescimento”, o Banco Central acaba de reduzir suas previsões para a expansão do Produto Interno Bruto (PIB). Conforme os diversos cenários, analisados no último Relatório de Inflação, o BC estima que a economia crescerá neste ano entre 1,5% e 1,8%. Descontado o crescimento da população, o PIB per capita vai ficar no zero a zero. Está longe de ser um espetáculo. É verdade que Lula se referiu ao início de um processo. Ainda assim, soa exageradamente otimista ou parece marketing político. Governos, por ofício, são otimistas e presidentes, em qualquer país, precisam ser bons no marketing. O perigo, entretanto, está na frustração que pode tomar conta do estimado público quando assistir a um espetáculo bem mais modesto que o prometido nos cartazes. Crescimento haverá, mesmo porque a base de comparação é muito fraca. O PIB encolheu 0,1% no primeiro trimestre deste ano em relação ao período imediatamente anterior. Os resultados do segundo trimestre devem ter sido piores, especialmente no que se refere à produção industrial, já que a economia sofreu nesses meses o impacto pleno dos juros elevados no final do ano passado e início deste. Para muitos economistas, o país entrou em recessão nesse período. Daqui para a frente, como os juros já estão em queda e devem se manter nesse processo, pior a economia não fica neste segundo semestre. Isso quer dizer que o país está deixando o fundo do poço. Não é uma marcha batida, mas um lento processo de recuperação. Assim, o espetáculo do crescimento só pode começar – com efeitos limitados e poucos artistas – no ano que vem, e isso se a produção for bem cuidada desde já. Eis aí o risco. Anúncios precipitados, além de criarem frustrações, podem dar ao governo (e ao público) a vontade de cortar o caminho. Isso seria feito com algumas medidas de impacto imediato, como uma súbita e forte derrubada dos juros. O espetáculo do crescimento começaria, mas terminaria num triste final de nova inflação. Convém, portanto, ter o cenário claro. O segundo semestre, salvo desastres, será moderadamente melhor que o primeiro. A taxa básica de juros vai cair. Isso se conclui dos últimos documentos do Banco Central, que confirmam o ambiente de forte desaceleração da inflação. Embora a previsão para este ano ainda esteja acima da meta de 8,5%, a projeção para 2004 e para a trajetória de inflação ao longo do próximo ano já está abaixo das metas. Como as decisões de política monetária mostram efeitos, em geral, seis meses depois de tomadas, tudo que o BC decidir a partir deste mês terá como referência básica o cenário de 2004. E diz o manual do regime de metas de inflação que os juros devem cair sempre que as projeções estiverem abaixo da meta. No cenário básico do BC, conforme consta no último Relatório de Inflação, a inflação deste ano, sempre medida pelo IPCA, chegará a 10,2% (acima, portanto, da meta de 8,5%), com a taxa básica de juros mantida em 26%. Mas a projeção para 2004, no mesmo cenário, é de 4,2%, contra a meta de 5,5%, com tolerância de 2,5 pontos para cima. Ou seja, há espaço para a redução dos juros básicos. Outra maneira de ver a mesma coisa: a projeção do mercado para a inflação dos próximos 12 meses chega a 7%. Se mantida a taxa básica de juros (Selic) em 26%, os juros reais chegam a espantosos 17,7% ao ano. Não há razão alguma para que sejam mantidos nesse nível, diante de um ambiente de inflação em queda e atividade econômica muito deprimida. Por isso, conforme se vê no Boletim Focus, editado pelo BC com o resumo das projeções de instituições financeiras e consultorias, o mercado projeta uma queda da taxa Selic de um ponto percentual ao mês daqui até o final do ano. Com isso, chegaria a dezembro entre 20% e 21%, com inflação um pouco acima da meta, mas menor do que no ano passado, e com o crescimento do PIB em torno de 1,8% para todo o ano. Como no primeiro semestre o PIB ou caiu ou não cresceu nada, o ritmo dos próximos seis meses será mais intenso, superior a 2%, para que dê a média de 1,8%. Enfim, é possível que, em dezembro próximo, a economia já esteja crescendo, em termos anualizados, perto dos 3%. Segundo disse o diretor demissionário de Política Econômica do BC, Ilan Goldfajn, em sua última entrevista no cargo, esse crescimento começa pelo consumo. Mais animados com a inflação em queda, com a redução dos juros, os consumidores devem aumentar suas compras ao longo do segundo semestre. Há uma boa chance de que o Natal seja melhor do que o de 2002. As medidas recém anunciadas pelo governo, como o estímulo ao microcrédito, podem ajudar mais no marketing do que nos negócios propriamente ditos. Levam tempo para serem implementadas, a operação é difícil e os efeitos macro, limitados. Os investimentos – o que realmente detona o crescimento – vêm só depois. Há muita ociosidade. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, estima que a capacidade ociosa nas indústrias automobilística e eletroeletrônica esteja entre 40% e 50% – o que dá bem a idéia da paradeira do primeiro semestre. Em resumo, há espaço para uma recuperação imediata do crescimento, simultânea à queda dos juros. Seria a expansão fácil, que está ao alcance da mão. Para que seja duradoura, entretanto, é preciso mais. Em primeiro lugar, é preciso que sejam mantidas as bases da política macroeconômica, especialmente o superávit primário das contas públicas e o combate prioritário à inflação. A pressão em sentido contrário vai aumentar na medida em que apareçam os números feios do segundo trimestre. Em segundo lugar, é preciso manter o programa de reformas, especialmente a da Previdência, que vai cumprir para reduzir as necessidades de financiamento do setor público. Finalmente, é preciso garantir as condições econômicas e institucionais para o investimento pesado em setores essenciais de infraestrutura, como energia, telecomunicações, saneamento, construção. O governo Lula não vai bem neste último quesito. Embora os ministros Antonio Palocci, da Fazenda, e José Dirceu, da Casa Civil, venham insistindo na necessidade de um marco regulatório claro e seguro, o resto do governo fica brigando com as agências e alimentando a esperança de que tais investimentos possam vir a ser tocados pelo setor público. Não podem, a menos que se abandone o superávit primário e a consequente idéia de controle das contas públicas. Em vez disso, seria melhor o governo abandonar alguns sonhos da velha esquerda e se convencer que tais investimentos pesados só podem ser feitos pelo setor privado, que não os fará enquanto não tiver a segurança de um marco institucional definitivo. Resumo da ópera: dá para montar o espetáculo do crescimento, mas a produção é complexa e demorada. A tentação de abrir as cortinas antes da hora pode dar numa peça de teatro estudantil: entusiasmado e pífio. Publicado na revista Exame, edição 796, data de capa 09/07/2003

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