AINDA A CRISE ARGENTINA

. Artigos A ARGENTINA NO FIO DA NAVALHA A situação da Argentina está naquele ponto perigoso em que qualquer coisa, que não teria muita importância em circunstâncias normais, pode desfechar uma crise profunda. Os números básicos não são de crise. Déficit público, endividamento interno e externo, tudo isso está dentro de padrões normais e manejáveis. Mas o problema não é de números, é de confiança e expectativa, dentro e fora do país. Visto de fora, os investidores precisam acreditar que o governo Fernando De La Rúa terá condições de implementar seu programa econômico. A esta altura pode-se dizer que qualquer programa serve, desde que haja base de aplicação. Exemplo: o orçamento que o Congresso Nacional vota nesta terça prevê um déficit para 2001 bem maior que o estipulado inicialmente (US$ 7 bilhões agora, contra US$ 4,8 bilhões da primeira versão), mas nem os investidores externos nem o FMI estão preocupados com isso. O importante é que o orçamento passe. Também foi amenizada a proposta de reforma da Previdência – a segunda reforma, pois uma primeira já foi feita e é mais avançada que a brasileira. E, de novo, isso não tem importância. A questão é saber se passa. Estamos, portanto, no instável campo da política. Trata-se de saber se o presidente De La Rúa governa, o que apresenta várias dimensões: maioria parlamentar mais ou menos consistente, acerto de metas mínimas com a oposição, aceitação na mídia, aprovação social e oposição sindical ao menos civilizada. Insisto. Não precisa ser uma maioria esmagadora e uma oposição ausente. Basta passar a impressão que o governo está em ação – de maneira que, na verdade, a variável chave é a unidade do próprio governo. Para lembrar: no final de 1998, a falta de confiança na economia brasileira acentuou-se quando o Congresso derrubou a emenda constitucional que previa a contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos. Não era muito dinheiro, o controle das contas públicas passaria sem isso, mas a emenda foi derrubada por ampla maioria de votos governistas. A mensagem: se o governo FHC não tem apoio nem dos seus . . . Voltando à Argentina, se o governo der essa demonstração de capacidade de agir, o FMI vai arranjar o dinheiro necessário para acalmar os investidores, isto é, o dinheiro necessário para pagar esses próprios investidores. Esse é o jogo. O socorro financeiro é para que a Argentina tenha desde já, em caixa, visíveis, os dólares necessários a pagar os compromissos de 2001 com seus credores externos e internos. Ou seja, o socorro é para os credores, esperando-se que estes, certos do recebimento, continuem financiando a Argentina e a taxas de juros menores. Tudo isso funcionando – o programa de De La Rúa passa no Congresso, o FMI providencia os 20, 25 ou 30 bilhões de dólares, quanto mais melhor – ganha-se tempo para a segunda parte do jogo da confiança e que então se travará internamente. Empresas e pessoas argentinas se sentirão confiantes o suficiente para investir e para comprar, inclusive se endividando para novos investimentos e consumo? Porque sem isso, o país não volta a crescer, sem crescimento o programa econômico perde sustentação e os credores voltam a se preocupar com seu dinheiro. Eis porque qualquer coisinha pode precipitar a crise. Uma derrota no Congresso mesmo que seja em um assunto menor, deputados deixando a base governista, declarações erradas de um líder importante, enfim, sabe-se lá o que pode ser esse detalhe que de repente passe a sensação de que o governo não vai conseguir. É esse o risco do momento, uma centelha que por acaso caia num rastilho de pólvora. (Veiculado primeiramente no site Patagon)      

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