. –De como o governo Lula se comunica—
Alguns dizem que é só a intuição do presidente Lula. Mas além disso, certamente há uma ciência da propaganda nas ações do governo.
Tome-se o PAC-2, a ser lançado no ano que vem, em pleno período eleitoral. Críticos já dizem: mas como lançar o 2 se o PAC-1 está enrolado em burocracias, projetos duvidosos, contas erradas e problemas com a legislação ambiental? (Sim, sabemos que de tempos em tempos a ministra Dilma faz um balanço para mostrar que as obras vão bem. Mas só anda coisa que andaria de qualquer modo e frequentemente fora de prazo. Não parece porque o governo espicha os cronogramas quando não consegue cumprir).
Ainda assim, o PAC-1 é de longuíssimo prazo. Para que, então, uma segunda versão?
Por isso mesmo. É uma estratégia de propaganda política ou do que antigamente se chamava agitação e propaganda. A base é a seguinte: muita atividade vale mais que a realização.
São coisas bem diferentes. Atividade é o que fazem Lula e Dilma. Viajam muito para tudo quanto é lado, inauguram várias vezes a mesma coisa (o lançamento do projeto, a pedra fundamental, o primeiro trator da terraplenagem, o canteiro de obras nos dois lados da ponte ou dos trilhos ou da estrada, não importa o estágio em que estejam). A refinaria de petróleo de Pernambuco, por exemplo, está enrolada com problemas de superfaturamento e dificuldades na associação entre a Petrobrás e a venezuelana PDVA, mas já deu uns dez eventos para o presidente, a ministra e mais o Chávez.
Também integra esse ativismo o lançamento de muitos planos, um atrás do outro. O projeto do trem-bala, por exemplo. Era Rio-S.Paulo, mas estava enrolado? Pois agora é Rio-S.Paulo-Campinas. Custava uns R$ 15 bilhões, já deve ter dobrado.
E aí entra o PAC-2. Nesse ritmo, nem se checou o passado e já há novos anúncios na praça.
Eis o ponto, muita atividade, não importa a eficácia. Tome-se o petróleo. O presidente Lula já se banhou no óleo em dois grandes eventos, para celebrar a autonomia brasileira na produção e o pré-sal. O Brasil ainda importa mais óleo e combustíveis do que exporta e o pré-sal, com modelo atrasado mais de ano, está longe da exploração comercial em escala razoável. E daí?
Outro ponto é a maciça propaganda, que depende, na partida, da escolha de bons nomes, bons slogans. O PAC não é um programa propriamente dito, mas a reunião sob um nome comum de projetos que estavam ou estariam acontecendo de qualquer modo. Hidrelétricas que estão planejadas há anos, estradas, etc. são empacotadas no PAC, mas não ganham com isso um procedimento diferente.
Analistas já sugeriram, por exemplo, que obras do PAC tivessem um regime especial de licenciamento ambiental, mais rápido, em uma única instância. Ou um sistema de financiamento especial. Mas não, é apenas o pacote.
Mas até o pessoal descobrir que a maior parte é jogo de cena, a popularidade do presidente já foi lá em cima e a eleição já passou.
Claro que o Bolsa Família não é enganação. Aliás, é o programa de maior eficácia do presidente Lula, nos dois sentidos: distribui renda para os mais pobres e votos para o presidente e, espera ele, seus aliados.
Mas mesmo o Bolsa Família está no esquema do ativismo. Tem sempre uma novidade, troca de cartões, ampliação do universo de beneficiados, reajuste forte. O tema interessa ao governo porque atordoa uma oposição já desnorteada. Qualquer restrição que a oposição venha a fazer já serve para carimbá-la como elites ricas que não ligam para os pobres.
E assim vai: bons slogans, um plano atrás do outro, muitas viagens, eventos e discursos martelando as mensagens. E escondendo tudo o que não interessa. Outro dia o Plano Real completou 15 anos e o governo não deu um pio, embora tenha sido o grande beneficiário dele. Mas Lula ainda não conseguiu se apropriar do Real. Está quase. Já é o dono da inflação controlada.
Estado assistencial
O Bolsa Família deve chegar ao final do ano atendendo 12,5 milhões de famílias. Considerando quatro pessoas por família, serão 50 milhões de pessoas dependendo direta e exclusivamente, na maioria dos casos, do dinheiro do governo. Trata-se de 30% da população nacional.
Esse tipo de programa, em tese, teria prazo limitado. A assistência seria concedida enquanto os membros da família não encontram empregos que lhes permitam uma vida digna. Ora, a geração de empregos depende do crescimento econômico.
Ocorre que a economia nacional, nas atuais circunstâncias, dificilmente será dinâmica. Há uma opção pelo Estado assistencial, não pelo Estado investidor.
Considerados os programas sociais, aqueles pelos quais o governo faz pagamento direto a pessoas, incluindo-se aí as aposentadorias rurais e a política de reajuste real do salário mínimo, chegaremos perto de 50% da população dependendo do dinheiro do Estado.
Mesmo sendo justiça social, não sai de graça. O governo precisa recolher muitos impostos para pagar tudo isso. Sobra pouco para investimentos.
Pode-se dizer que a renda distribuída cria um mercado interno, que vai estimular a produção de bens. Com o setor privado investindo para produzir tais bens, a coisa se fecharia.
Fecharia? Começa que pesada carga tributária incide sobre os investimentos e retira competitividade das empresas. E não há um ambiente de negócios favorável.
A carga tributária não há como resolver. Na medida em que os programas sociais se ampliam e se tornam perenes, isso junto com a expansão de todos os demais gastos públicos, não há como o governo deixar de recolher impostos.
Mas uma grande reforma para melhorar a vida de quem quer fazer negócios e empreender já ajudaria muito.
De todo modo, com esse modelo, o Brasil não cresce mais 5% nos anos bons. Sobre pouco dinheiro para investimentos.
É o contrário da China, que tem quase nada de assistência social e tudo de investimentos. A situação dos chineses hoje é pior, mas eles ganham renda mais rapidamente todos os anos.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 03 de agosto de 2009