ADEUS FMI. ATÉ QUANDO?

. A VIDA SEM O FMI      
Para que serve o Fundo Monetário Internacional? Para emprestar dinheiro aos países que não conseguem pagar sua dívida externa. Ora, o Brasil ? governo e empresas ? não tem qualquer problema no momento para financiar suas contas externas. Há até excesso de entrada de dólares no país, o que tem levado à valorização do real.     
Logo, o Brasil não precisa mais do FMI e, por esse ângulo, o governo Lula fez muito em não renovar o acordo que vinha desde 1998 e terminou em março último. O país ainda deve ao Fundo cerca de US$ 26 bilhões, a amortizar nos próximos três anos, mas com os sucessivos superávits comerciais, as entradas de investimentos externos e o atual nível de reservas internacionais, muitos analistas entendem que o governo deveria pagar antecipadamente e dar um adeus definitivo ao FMI.     
Quer dizer, definitivo por enquanto, porque nunca se sabe como se comportará o cenário internacional. Foi extraordinariamente amistoso nos últimos dois anos, com crescimento forte sem inflação. Mas, e se os juros subirem muito nos Estados Unidos? E se a China parar de crescer e de comprar do mundo todo? E se o preço do petróleo for às nuvens, provocando inflação e recessão?     
Para o Brasil, a consequência imediata seria financiamento externo escasso e mais caro, além de menos exportações. Daí porque, sugerem os pessimistas ou céticos ou apenas precavidos, seria melhor manter o acordo com o FMI, mesmo não precisando do dinheiro agora. O FMI é um seguro barato ? eis aí sua outra serventia.     
Uma terceira é conceder uma espécie de selo de garantia, um ISO qualquer coisa, e um atestado de bom comportamento. Como qualquer banqueiro, o FMI, ao emprestar dinheiro, exige do cliente uma série de garantias. No caso, a adoção de uma política econômica austera que, no essencial, leve à redução do endividamento público. Portanto, quando o Fundo libera as parcelas do empréstimo, isso significa que o governo do país tomador está fazendo a coisa certa.     
No caso brasileiro, o acordo com o Fundo tinha ainda uma quarta função. Servia como um escudo para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a protegê-lo das demandas por mais gasto público, freqüentemente apresentadas por colegas de ministério e de partido. Sabe como é, poderia dizer Palocci, esse gasto é bom, mas tem o FMI…     
Há aí, portanto, três bons argumentos a favor da manutenção do acordo. Bem vistas as coisas, porém, essas teses fazem da não renovação uma jogada política arriscada, mas não irresponsável. Se tudo der certo para o ministro Palocci, o Brasil estará mostrando ao mundo que é capaz de manter uma política econômica responsável por decisão própria e qualquer que seja o partido no governo. Será um ganho forte de credibilidade.     
Dispensar o dinheiro do Fundo não é uma atitude irresponsável porque as contas externas brasileiras registraram uma melhora extraordinária nos últimos anos (veja o quadro). Todos os indicadores de sustentabilidade ? os que mostram se o país tem ou não condições de servir sua dívida externa ? evoluíram positivamente.     
Um dos mais importantes é a relação entre a dívida externa total e as exportações anuais. Mede quanto tempo de exportação o país precisaria para matar toda sua dívida, pública e privada. Hoje, as exportações, que continuam batendo recordes, já ultrapassam os US$ 100 bilhões/ano. A dívida externa, em queda, já é inferior aos US$ 200 bilhões. Ou seja, a relação dívida/exportação é inferior a dois ? isso indicando que as vendas externas dão conta de todo o passivo internacional em menos de dois anos.     
Em 1998, quando do primeiro acordo com o Fundo, essa relação era superior a quatro. Em 2003, quando o programa foi renovado, era quase três.     
Outro indicador importante é a relação entre o serviço da dívida externa (pagamento de amortizações e juros) e as exportações. Em 2003, o serviço exigia 73% das exportações. No ano passado, 54%. Neste ano, certamente menos ainda.     
Finalmente, se até 2002 o Brasil apresentava déficits em sua conta corrente ? o resultado de todas as transações com o exterior ? no ano passado registrou um superávit de US$ 11,7 bilhões. É mais ou menos o seguinte: se antes o país terminava o ano no vermelho, precisando ir ao mercado internacional tomar mais dólares emprestados, agora termina no azul e reduz o endividamento.     
Mesmo que ocorra uma nova crise mundial, portanto, o país está menos vulnerável. Em 99, precisava levantar no mercado internacional algo como US$ 60 bilhões para fechar suas contas. Neste ano, bastam US$ 27 bilhões e as reservas internacionais são o dobro disso.     
Por esse lado, a saída do FMI foi um risco calculado. E a questão da confiança na política econômica?     
A primeira resposta é que uma boa situação financeira, por si, traz credibilidade. Os países dão calote em suas dívidas não por vontade política, mas porque ficam sem dinheiro, como o Brasil em 1982 e 87. De fato, a melhora nas contas externas brasileiras tem sido acompanhada de uma queda no risco Brasil.     
Por último, entra o fator interno. Ao anunciar o fim do acordo com o FMI, o ministro Palocci deixou claro que o país não estava caindo na farra do ?liberou geral?. Em vez de metas com o Fundo, o governo vai anunciar metas que passam a ser vigiadas pelo mercado, que vota todo dia. Com isso, o ministro está dizendo que o país não precisa mais de um tutor externo, sendo a política econômica uma escolha interna e, portanto, mais sólida. O tempo dirá. Há dois riscos, uma crise externa e uma virada populista no governo. Mas a aposta de Palocci é boa. Revista Exame, edição 840, data de capa  13 de abril de 2005      

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