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A vida tem preço. É cara (2)

A vida tem preço. É cara (2)

Carlos Alberto Sardenberg

Não há dúvida: quem está doente ou tem um parente doente vai entrar na Justiça para obrigar seu plano de saúde a cobrir um tratamento e/ou remédio que não estão no contrato nem no rol de atendimentos fixado pela Agência Nacional de Saúde.

Há, entretanto, uma condição: a família precisa ter dinheiro para contratar, primeiro, o plano de saúde, claro, e depois, os advogados. Mais um ponto: o plano de saúde privado não é acessível para a maioria da população. São 50 milhões de segurados, ou 23% dos brasileiros.

Assim, o tema aqui em debate interessa especialmente à classe média e aos mais ricos. Trata-se da decisão do Superior Tribunal de Justiça, de 8 de junho, segundo a qual o rol de atendimentos fixado pela Agência Nacional de Saúde é taxativo – ou seja, a operadora do plano não é obrigada a atender casos ou fornecer remédios que não estejam previstos no rol da ANS.

Pela lógica econômica, a decisão é correta. Do ponto de vista da operadora, resta uma informação clara sobre quais serviços deve prestar e, pois, qual custo deve estimar e qual preço cobrar. Para a pessoa que contratou o plano, vale a mesma lógica: ela sabe qual o rol obrigatório (ou taxativo) e pode, portanto, acrescentar no contrato atendimentos que considera importantes no seu caso pessoal. Também pode escolher o seguro que mais lhe interessa.

Se o plano é empresarial, também vale a lógica da previsão e segurança jurídica. A empresa tem informação clara sobre o que pode ou deseja oferecer a este ou aquele funcionário. Para o empregado, igualmente: tem informação do que lhe está acessível.

Agora, as críticas. A primeira delas queixa-se da demora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em validar o uso de medicamentos novos. E também da demora da ANS na atualização do rol de atendimentos.

Ocorre que a decisão de STJ prevê exceções, exatamente nesse sentido. A operadora deverá pagar tratamento fora do rol desde que tenha eficácia cientificamente comprovada. Acontecem casos assim: o médico esgotou todos os recursos disponíveis no Brasil e ficou sabendo de um novo medicamento, em uso nos EUA ou na Europa, que pode servir para aquele caso.

Há dois caminhos aqui. O primeiro é uma negociação técnica entre o médico (a clínica, o hospital) e a operadora do plano. O segundo é o recurso à Justiça. Aqui ficou mais caro, mais demorado.

Mas há um segundo tipo de crítica, um argumento sobre direitos humanos e do cidadão. Trata-se do recurso à letra da Constituição: saúde é direito de todos e dever do Estado, artigo 196, que ainda especifica o “acesso universal e igualitário” aos serviços de saúde.

E aqui tudo fica embaralhado.

Se a Constituição fosse literalmente cumprida, não existiriam as operadoras privadas. Todo brasileiro saberia que o Estado proveria acesso gratuito a qualquer atendimento de saúde. Ou seja, todo mundo estaria no Sistema Único de Saúde, o SUS.

Como a gente sabe que não é assim, os cidadãos que têm mais dinheiro compram seguros de saúde e se associam a planos. Logo, não se trata mais do Estado, mas de uma relação privada entre entes privados, a pessoa jurídica da operadora e a pessoa física contratante do serviço. Esse contrato não se dá numa terra de ninguém, mas num ambiente regulado por uma agência pública. Logo, as pendências deveriam ser resolvidas nesse ambiente, como prevê a decisão do STJ.

Na medida em que se invoca o direito universal à saúde, mas se determinando que uma entidade privada , e não o Estado, tome as medidas práticas (que custam dinheiro) para fazer valer esse direito, caímos na insegurança econômica e jurídica. A operadora privada não mais saberá qual o alcance de sua obrigação e, logo, qual seu custo, pois pode ser obrigada judicialmente a prestar qualquer tratamento.

A consequência disso está na cara: o plano fica mais caro, pois o custo inclui a imprevisibilidade. E, logo, cada vez menos acessível. É o que já acontece.

E a judicialização do SUS? Pois é. Voltaremos.