.
O fim do mundo
Os preços de comodities, incluindo alimentos, começaram a subir a partir de 2003 e aceleraram a alta de 2005 para cá. Esse movimento coincidiu com o formidável crescimento da economia mundial, com forte participação dos países emergentes, a China em primeiro lugar.
Portanto, não há dúvidas aqui: no essencial, os preços responderam à demanda crescente. A produção, mesmo com acidentes aqui e ali, como as quebras de safra na Austrália, também seguiu aumentando, com alguns países ocupando cada vez mais espaço no comércio mundial, entre os quais o Brasil.
Mas, como no caso do petróleo, o crescimento da produção não alcançou a alta do consumo. Com o mercado muito justo, isso deu margem à especulação de fundos de investimento, o que acrescentou alguns, às vezes, muitos dólares no preço das comodities, isso do segundo semestre do ano passado para cá. Com a crise financeira global, comprar trigo, soja ou petróleo tornou-se um negócio mais seguro do que, digamos, ações de bancos norte-americanos.
Mas na base de tudo, há um forte crescimento da economia global. E nisso, a atual alta no preço de alimentos se parece com o que houve em 1973/74. O início dos anos 70 também foi um momento auspicioso da economia capitalista, então bem menor do que hoje, já que quase metade do mundo ainda era socialista.
Mesmo assim, os preços de alimentos decolaram. Na verdade, descontada a inflação, os alimentos custavam em, 1974, o dobro do que custam hoje. E como hoje, também naquela ocasião apareceram as profecias do fim do mundo. Simplesmente, ia faltar comida no mundo todo, pelos dois motivos: escassez física, com a produção insuficiente para atender uma população cada vez maior e com maior poder de consumo e preços proibitivos para grande parte das pessoas. Em resumo, os mais pobres morreriam por falta de dinheiro as classes médias, por falta dos produtos.
Aconteceu bem diferente. Já a partir de 1975 os preços começaram a cair, inicialmente por um mau motivo. O período de crescimento foi abortado pela súbita alta do petróleo, inflação, alta de juros, recessão. O desastre derrubou a demanda.
Mas quando o mundo começou a se equilibrar, já nos anos 80, com preços ainda atraentes, a produção de alimentos cresceu extraordinariamente, graças especialmente aos formidáveis ganhos de tecnologia. A ciência chegou às fazendas pela genética, pelos fertilizantes, inseticidas e herbicidas. Assim, mesmo com o aumento do consumo, os preços de alimentos caíram sem parar, até o início dos anos 2000, quando, em termos reais, equivaliam a um terço das cotações de 1974.
Esses preços baixos, bons para os consumidores, claro, incomodaram os produtores por muito tempo, sobretudo dos países agrícolas mais pobres. Explica-se: EUA, União Européia e Japão subsidiaram seus fazendeiros com bilhões de dólares, provocando excessos de produção e preços baixos, tornando não competitiva a produção de muitas nações pobres e mesmo em desenvolvimento.
Já nestes anos 2000, a alta de alimentos e das comodities fez a festa de muitos países emergentes, inclusive do Brasil. Ocorre que as populações desses emergentes, com mais riqueza, aumentaram seu consumo e os preços subiram mais ainda.
Em cima disso, vieram a especulação e a decisão dos EUAS de subsidiar o etanol de milho. A produção de milho subiu fortemente, deu para álcool e alimentos, mas levou a uma redução na produção de trigo e terminou empurrando para cima todos os preços.
E agora?
Agora, voltaram as profecias de fim do mundo. Como em outros momentos, entretanto, é mais provável que a humanidade, embora fazendo muita besteira, consiga dar um jeito quando a coisa aperta.
Nas circunstâncias normais do mercado, o preço alto atrai mais produtores e, ao final, o mercado se equilibra.
Aumentar a produção de alimentos, em tese, não é muito complicado, nem muito caro. (É mais barato, por exemplo, do que produzir mais petróleo).
Mesmo com a limitação de terras boas, a tecnologia (sobretudo dos transgênicos) tem condições de elevar a produtividade dos recursos atuais.
Vai daí que a atual crise de alimentos exige dois tipos de medidas: na primeira, imediata, de fornecer comida aos países mais pobres a segunda, garantir o aumento da produção, com mais tecnologia e mais mercado aberto.
O Brasil, beneficiário dos preços altos, tem enorme responsabilidade.
Publicado em O Globo, 24 de abril de 2008