. As razões da chiadeira
Fórum Social contra os pobres
O pessoal do Fórum Social Mundial entende que, pelo menos até aqui, seu principal trabalho foi ter aberto os debates sobre os destinos do mundo, assim derrubando a tese de que o único caminho é a economia de mercado globalizada. Além disso, as lideranças acham que conseguiram alguns resultados concretos. Por exemplo: a introdução do tema combate à fome na agenda de Davos, sede do Fórum Econômico Mundial; o fato de a Alca, Área de Livre Comércio das Américas, ter sido ?barrada?; e a imposição de obstáculos a outras iniciativas para a globalização do comércio.
Ocorre que esses resultados prejudicam diretamente os pobres do mundo. Tome-se a agenda de Davos. Desde 2003, quando o centro do capitalismo mundial estendeu o tapete vermelho para um Lula recém-eleito, discutem-se ali maneiras de combater a pobreza. Que maneiras? Quase sempre a idéia básica é levantar dinheiro e entregá-lo, cash ou em espécie, aos pobres.
Sharon Stone, por exemplo, circulou por Davos recolhendo cheques para comprar mosquiteiros ? arma importante na África para evitar a febre amarela. Outros juntavam dólares para comprar remédios. E se discutiu mais uma vez a ?grande idéia?, a criação de uma CPMF mundial para formar um fundo de combate à fome. Essa proposta é muito antiga ? foi formulada pela primeira vez por um Nobel americano, James Tobin, há 20 anos ? e caiu no esquecimento quando se verificou sua inviabilidade.
Mas quando o tema da pobreza voltou à agenda, essa CPMF foi retomada por muitos líderes, incluindo Lula e o presidente francês, Jacques Chirac, porque, sejamos francos, é uma boa retórica. Quem pode ser contra tamanho bom propósito? Apresentá-la é garantia de aplauso.
Já a questão concreta ? como cobrar e como distribuir ? fica para depois, isto é, esqueçam.
De tudo isso, a campanha pelos mosquiteiros é a medida com maior potencial de eficácia. Ainda assim, depende de providências práticas nada simples: quem compra e quem distribui os mosquiteiros, sem que o dinheiro se perca pelo caminho?
E está claro que não resolve o problema. Ano que vem, seriam necessários outros mosquiteiros, até que o desenvolvimento econômico desse emprego e renda às pessoas dessas regiões africanas, que poderiam então comprar residências decentes em lugares providos de tratamento de água e esgoto. Eis porque introduzir o tema combate à pobreza é contra os pobres. Tal como está colocada, essa agenda, combinada com antiglobalização, desvia a atenção da questão essencial: como abrir caminho ao crescimento econômico? A melhor resposta já está dada: mais globalização ou mais abertura de comércio numa direção determinada, os países ricos abrindo mercado para os produtos dos países pobres.
Exemplo: a União Européia subsidia seus produtores de açúcar e limita as importações dessa mercadoria. Isso derruba preços e prejudica as exportações de países pobres. Segundo estudo da Oxfam, uma ONG inglesa há anos dedicada ao tema, as perdas dos países africanos com esse subsídio equivalem a um terço do auxílio que os europeus mandam para toda a África.
É desse tema que o presidente Chirac, defensor ferrenho dos subsídios a seus eleitores, consegue escapar quando aceita os protestos antiglobalização e propõe a CPMF da pobreza.
Outro exemplo: os Estados Unidos subsidiam e protegem seus produtores de algodão. A mesma Oxfam mostrou que isso causa perda anual superior a US$ 300 milhões aos países africanos também produtores de algodão.
Eis aí, o tema correto é menos caridade e mais comércio.
Mas esse tema não cabe no Fórum Social. Primeiro, porque lá estão os ricos agricultores europeus que conseguiram a incrível proeza de convencer seus colegas pobres de que os subsídios deles são justos e integram uma política de segurança alimentar, sendo esta antiglobalização. Segundo, e em consequência, porque as lideranças de Porto Alegre acham que o agronegócio é um mau negócio. Dizem, repetindo os europeus ricos, que é preciso produzir comida para os pobres locais antes de exportar.
Mas como os pobres locais não têm dinheiro para comprar, resulta que, de um lado, o governo local tem que dar dinheiro aos pobres e, de outro, os preços serão altos, dada a produção em pequena escala. Como governo de país pobre também não tem dinheiro sobrando, fica o pessoal pensando na tal CPMF mundial. Caridade mundial.
Se, ao contrário, os agricultores dos países pobres pudessem exportar para os endinheirados consumidores dos países ricos, obteriam renda que gastariam em suas regiões, movimentando toda a roda da economia.
Em resumo, o modo de equilibrar a globalização é abrir espaço para os países mais pobres. E não se trata de experiência ou tese a avaliar.
Basta olhar em torno: pobreza e fome concentram-se nos países que estão fora da globalização e da economia de mercado, especialmente os da África. Os países que mais avançam na redução da pobreza, China e Índia, são aqueles que mais aceleradamente introduzem a economia de mercado e se globalizam.
Na semana passada, saiu o resultado do comércio externo americano. Só com a China, os EUA tiveram um déficit de US$ 165 bilhões. A China cresce 9% ao ano, reduziu a pobreza pela metade nos últimos 1o anos. Publicado em O Estado de S.Paulo, 14/fevereiro/2005