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A democracia pode funcionar mal

A democracia pode funcionar mal

 

Carlos Alberto Sardenberg

 

Não existe democracia sem parlamento eleito pelo povo. Em um país continental como o Brasil, é também conveniente que os entes regionais tenham representação nacional.

O sistema político brasileiro atende a esses dois requisitos. A Câmara dos Deputados representa o povo. O Senado representa os estados, que formam a federação.

Ditaduras costumam fechar parlamentos ou instalar simulacros que só existem para chancelar as decisões do líder do momento. Exemplo: o assim chamado Congresso do Povo da China.

O nosso Congresso, reunião das duas casas, funciona livremente. Assim, a despeito de Bolsonaro, temos uma democracia em funcionamento.

Ocorre que os parlamentos podem funcionar bem ou mal. Criticá-los, nesses casos, não é atentar contra a democracia, mas, ao contrário, defender não apenas sua existência, como também sua eficácia. Sim, eficácia.

Os líderes da maiores ditaduras do momento, Xi Jinping e Vladimir Putin, sustentam suas críticas à “democracia ocidental” com o argumento que não são eficientes nas políticas de desenvolvimento. E por que? Porque o sistema seria muito lento para a tomada de decisões.

E aqui se completa o argumento autoritário: essa lentidão viria justamente do fato de que as decisões precisam passar pelo parlamento e ter o aval da Justiça.

Verdade que a democracia é mais lenta que as ditaduras. Mas o trâmite das decisões faz com que estas sejam, ao final, mais eficientes, exatamente porque foram bem avaliadas e votadas pelos representantes do povo e da federação.

Ok, mas o Congresso brasileiro falha completamente quando não vota uma proposta de reforma tributária que lá tramita há 20 anos.

Foi o que fez recentemente o Senado. Seu presidente, Rodrigo Pacheco, simplesmente engavetou uma proposta montada na base de consensos entre diversos setores da sociedade. Alegou que não era hora.

Ora, o sistema tributário brasileiro é dos principais obstáculos ao desenvolvimento. Atrapalha empresas e pessoas, encarece e, pois, inibe os investimentos.

E se não bastasse o Senado engavetar essa proposta, a Câmara resolve entrar no assunto, mas para aplicar um tipo de punição aos governadores estaduais. Irritado porque eles não reduzem certos impostos, o presidente da Câmara, Arthur Lira, inventou uma proposta que limita a 17% o ICMS cobrado sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transportes.

É verdade que esses setores são excessivamente onerados e que isso impõe custos às famílias e empresas. Mas constituem a base da arrecadação dos Estados. Limitá-los, sem oferecer alternativa, como outras receitas ou redução de encargos, é simplesmente contratar uma quebradeira geral. Governos quebrados não prestam serviços, se endividam e, ao final, causam mais inflação.

Resumo: o Congresso não vota uma ampla reforma tributária, mas vota remendos que pioram o sistema.

O modo de privatização da Eletrobras foi bem pensado. A empresa faz uma chamada de capital e o Estado, acionista controlador, não compra nem uma ação. Investidores privados compram, tormam-se majoritários e assumem o controle da companhia.

Simples e eficiente. Mas para aprovar isso, o Congresso, atendendo a interesses de suas clientelas, resolveu impor uma série de obrigações aos novos donos. Por exemplo: construir termelétricas a gás em locais a milhares de distância dos poços de gás.

Resultado: o custo da Eletrobras privatizada vai aumentar, isso terminando em majoração de tarifas.

Educação é um tema central sob qualquer aspecto. Social, porque a boa educação é condição para o progresso das pessoas. Econômico, porque nenhum país avança sem mão de obra educada e treinada.

Pois a Câmara dos Deputados entrou no assunto para votar uma barbaridade, o homeschooling, ensino domiciliar. Só interessa aos bolsonaristas e às famílias para as quais os nossos professores são todos comunistas e/ou pervertidos.

É o contrário do que país precisa – escola pública de boa qualidade para todos.

É pena, mas nosso Congresso está dando razão aos ditadores.