. Socialistas, no mundo do capital
Domingo à noite, reunião de famílias amigas, vejo uma menina de 16 anos, aluna de um dos melhores colégios de São Paulo, queimando os miolos com o livro Historia da Riqueza do Homem, de Leo Huberman. Mais exatamente com o capitulo 18, tema da prova do dia seguinte, que destacava dois itens: Marx e Engels anteciparam o colapso do capitalismo o socialismo é inevitável.
O livro é antigo, de 1937, e fez muito sucesso entre universitários brasileiros nos anos 60, por dois motivos. Primeiro, trata-se de uma aula de marxismo, na visão mais clássica da doutrina.
Sustenta, sem abrir qualquer espaço para dúvidas, que todas as idéias econômicas anteriores a Marx e Engels não passam de pura ideologia de classe, construídas para justificar sistemas econômicos e políticos que , ao longo da historia, foram sempre uma forma de escravizar o trabalhador. Ao revelar isso, o marxismo não é ideologia, mas pura ciência. Vai daí, o socialismo, sendo o regime do proletariado, é o fim da historia, o momento em que o trabalhador finalmente controla os meios de produção e o sistema político.
O segundo motivo pelo qual o livro atraia tanta admiração estava na posição do autor. Huberman era não apenas um cidadão dos EUA, a pátria maior do capitalismo, como lecionava numa das melhores universidades americanas. Olha ai, se dizia, ate a academia americana se curvava aa ciência do marxismo.
Tudo isso nos anos 60, quando boa parte do mundo vivia sob regimes socialistas. Na Europa e na América Latina em particular, a universidade era amplamente dominada pelo pensamento de esquerda.
Já se conheciam as atrocidades do regime soviético e chinês (sobre o que Huberman não traz uma palavra sequer) , mas eram tomadas como desvios políticos do sistema, a serem corrigidos. não se duvidava, porem, naqueles meios intelectuais, da eficiência do regime socialista de planejamento central. A União Soviética não se tornara uma potencia?
Já era um equivoco. Muita gente percebia e dizia isso ? para ser desclassificada e jogada no bando dos liberais defensores da burguesia. Mas a existência dos regimes socialistas era um ponto importante, sobretudo porque, protegidos por ditaduras e censura, não se sabia o que realmente se passava naqueles paises. Já as mazelas do capitalismo, diariamente reveladas pela imprensa burguesa, eram bem conhecidas. Vai dai ….
Hoje, nem seria preciso dizer, a historia esta clara para quem quiser ver. Na prova sobre capitulo 18 da Riqueza do Homem, deveria tirar nota 10 o aluno que escrevesse: a historia, tão cara a Huberman, o traiu completamente o colapso foi do socialismo e o inevitável é o capitalismo.
O socialismo real, hoje, se resume a duas ditaduras aa beira do colapso, Cuba e Coréia do Norte. A esperança do socialismo do século 21 esta com Hugo Chavez. E o maior partido comunista do mundo, o da China, mede seu sucesso pela introdução da economia capitalista e sua infindável capacidade de gerar riqueza e tirar da pobreza milhões de pessoas todos os anos.
Convenhamos, os dias de hoje não oferecem base razoável para um pensamento de esquerda.
E entretanto, o congresso do PT, que esta no governo, aprovou documento que ?reafirma o caráter socialista, democrático e popular do partido?. Qual socialismo, não se sabe.
Mas a retórica do PT e de boa parte das elites brasileiras (políticas, intelectuais e civis) continua anti-liberal e anti-capitalista. Nos colégios, nas universidades, nos vestibulares, por exemplo, nas provas de atualidades, o neoliberalismo normalmente aparece como o regime que gera miséria e desigualdades para muitos e riquezas para poucos. Todo dia, tem um juiz, inclusive dos tribunais superiores, escrevendo na sua sentença que sua função é proteger os pobres das forcas malignas do capital.
Como pode ocorrer essa contradição tao flagrante entre o mundo real ? que exibe um capitalismo globalizado e pujante, levando quase todos os paises a uma fase de prosperidade sem precedentes ? e o domínio de um pensamento de esquerda anti-capitalista?
Uma explicação esta na formação de boa parte das elites brasileiras. Elas leram e estudaram Huberman. Não leram nem estudaram Adam Smith. E parece que estão transmitindo o mesmo viés às novas gerações. Os colégios que fazem provas com a Historia da Riqueza do Homem não mandam os alunos ler A Riqueza das Nações. O equivoco escolar leva a uma dificuldade na vida pratica, pois, formado, o aluno cai no mundo de Adam Smith, não no de Huberman, que jaz na lata de lixo da historia.
A historia do PT é o exemplo pratico dessa contradição. Passou a vida toda defendendo o socialismo, condenando o neoliberalismo, para chegar ao poder e verificar que não ha outro caminho senão o capitalismo globalizado. Como já disse Lula, muitas idéias da época da oposição não serviam ?para pegar no concreto?.
Mas o próprio Lula se mantém confuso. Outro dia, para mostrar que sua política econômica é diferente da de FHC, alardeou que acabou com a inflação, mandou o FMI embora e criou um mercado de massas com as bolsas e a ampliação do credito.
Mas como foi mesmo isso tudo? O FMI não foi propriamente embora. As missões ainda aparecem por aqui, mas apenas para elogiar a política econômica de Lula. O FMI não vem cobrar pela simples razão de que o governo pagou antecipadamente sua divida.
E pagou com os dólares obtidos com o crescimento das exportações, resultado direto da onda de prosperidade mundial. A inflação foi liquidada pelo regime de metas com banco central autônomo, política monetária que é o estado da arte da … doutrina capitalista contemporânea. E foi o fim da inflação que permitiu a ampliação do credito, nas modalidades mais modernas, outra criação capitalista moderna.
Tudo para reafirmar o socialismo…
Publicado em O Estado de S.Paulo, 10 de setembro de 2007