. Juros altos, culpa do Congresso
A coisa está assim: para o médio prazo, algumas idéias para reduzir o gasto público, talvez a partir de 2007. Para ontem, aumento de gastos em itens variados, de salários do funcionalismo até a ajuda à Varig.
Enquanto isso, segue o esporte nacional de esculhambar as taxas de juros fixadas pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central, Copom. Está certo que o Copom pode ter sido excessivamente conservador, mas se é o caso de pensar com um mínimo de perspectiva, a questão estrutural dos juros depende sabe-de-quem? Dos deputados e senadores.
Há muitos fatores, locais e internacionais, agindo sobre a taxa de juros. Há muita discussão sobre o peso de cada um, mas um ponto é indiscutível: as contas públicas têm parte importante nessa história. E para o mal: tal como estão hoje, exercem pressão de alta nos juros.
São dois os caminhos dessa pressão. Primeiro, o déficit nominal das contas públicas. O governo arrecada impostos, taxas e contribuições, embolsa os dividendos de estatais que dão lucros, e começa a gastar. Só com Previdência (pública e INSS), salários do funcionalismo e juros, vai quase tudo. E ainda é preciso pagar todo o funcionamento da máquina pública, mais os investimentos.
Tudo somado e subtraído, falta dinheiro ? este ano, algo equivalente a pouco mais de 3% do Produto Interno Bruto. Ou, um déficit nominal em torno de R$ 62 bilhões. É dinheiro.
Como o governo cobre esse buraco? Emitindo títulos aqui e lá fora. Em resumo, tomando mais dinheiro emprestado. Ora, a presença na praça de um grande tomador compulsório de empréstimo ? e com um passado de mau pagador ? faz com que as taxas de juros se elevem.
Eis aí, o primeiro movimento: no caso brasileiro atual, quanto maior o déficit público, maior a taxa de juros.
Há um segundo movimento: um passado do governo gastando mais do que arrecada, além de equívocos variados de política econômica, deixou uma enorme Dívida Líquida do Setor Público (DLSP), hoje equivalente a 51% do PIB.
Já foi maior, de modo que se pode ver aí um progresso. Mas comparando com países emergentes com história de estabilidade, trata-se de uma dívida muito elevada. Para resumir, em termos ideais, a DLSP deveria cair para cerca de 30% do PIB, portanto uma queda forte, quase a metade em relação aos níveis atuais. E ainda assim ficaria acima, por exemplo, da dívida do México (28% do PIB).
Ora, um grande devedor é um cliente de risco maior e, assim, tem de pagar juros maiores. Eis aí, uma dívida pesada e curta também pressiona para cima a taxa de juros.
Somando os dois fatores, déficit nominal e DLSP, resulta que temos na economia brasileira, a todo momento, um grande devedor tomando novos e grandes empréstimos. Não se sabe exatamente quanto isso representa na taxa de juros, mas é certo que pesa bastante.
Resulta daí uma receita óbvia: é preciso reduzir e/ou eliminar o déficit público anual e começar a abater a dívida. Ou seja, como qualquer devedor, o governo precisa fazer economia. Ou, diria o leitor esperto, aumentar as receitas.
Esperto e desavisado. O setor público brasileiro já utilizou esse expediente. De 1998 para cá, o governo tem conseguido fazer economia, mas à custa de aumentos anuais de impostos. De fato, a carga tributária saltou de 29% do PIB para 37%, que deve ser o resultado deste ano. Mas no mesmo período, o chamado gasto primário do governo (que inclui todas as despesas menos o pagamento de juros) saltou de 30% para 32% do PIB, em números redondos. Ou seja, do ganho com o aumento dos impostos, 6 pontos percentuais foram para juros e dois pontos para mais gastos com previdência e custeio, pois os investimentos têm diminuído.
Isso resultou em várias anomalias. A carga tributária brasileira é bem maior do que nos demais países emergentes. E o gasto total do setor público é um absurdo, cerca de 40% do PIB, assim divididos: os 37% que arrecada de impostos e mais os 3% que toma emprestado e que representam o déficit nominal anual. Em números arredondados, isso dá o seguinte: 32% do PIB em custeio, 6% a 7% em juros e no máximo 2% em investimentos em infraestrutura. Não pode dar certo. É muito dinheiro tirado da sociedade para pouco resultado.
Para comparar: o gasto público total na Coréia do Sul é de 25% do PIB.
Tudo isso para dizer que não tem mais como escapar: o setor público não cabe mais no Brasil. Qualquer política para melhorar a atividade econômica passa obrigatoriamente pela redução do gasto público, pela mudança de padrão nessas despesas (menos custeio, previdência e juros, e mais investimentos), pela redução da dívida (de modo a se abrir caminho para uma diminuição de impostos) e pelo encolhimento do tamanho do Estado.
Qualquer coisa nessa direção é boa.
Por exemplo: aumentar o superávit primário para pagar parte maior da conta de juros é não apenas positivo, como absolutamente necessário no momento. Idem para a proposta levantada pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, com o objetivo de se estabelecer tetos anuais decrescentes para as despesas de custeio do governo federal. E o que os deputados e senadores têm com isso? Simples. São eles que aprovam os gastos e as receitas. Além do mais, para criar condições para uma política firme de redução do gasto público e do tamanho do estado, é preciso aprovar algumas emendas constitucionais e um conjunto de leis.
O primeiro movimento já está em andamento. A Lei de Diretrizes Orçamentárias estabelece tetos para gastos e arrecadação em 2006. Mas é só o começo. É preciso fixar regras para dez, quinze anos na mesma direção.
O pessoal, inclusive do PT, vai dizer: a gente vai tirar dinheiro dos programas sociais, da previdência, das estradas, para pagar juros?
Vai. Na verdade, já se está fazendo isso e precisa continuar fazendo. Porque o caminho contrário ? não pagar juros e aumentar o gasto público – leva a um governo que não poderá mais ser sustentado pela sociedade brasileira. A consequência será inflação, calote e recessão.
O risco é real. Por exemplo: deputados e senadores estão neste momento lutando para aumentar os salários de seus funcionários, que já se encontram entre os mais bem pagos do país. Pode parecer coisa pequena, algumas centenas de milhões de reais, dirão eles, uma mixaria em relação ao que se gasta de juros.
Mas foi assim, de gasto em gasto, que se fez essa enorme dívida que exige juros cada vez maiores. Está na cara que a solução não é aumentar gasto primário, mas fazer o contrário para pagar juros, reduzir a dívida e sanear a economia. E reclamar menos do Copom. Publicado em O Estado de S.Paulo, 24/outubro/2005