. A greve do funcionalismo, que vai se espalhando pelos diversos níveis e setores do governo, é mais um episódio da longa crise do setor público.
O resumo dessa ópera dramática é o seguinte: a grande maioria dos funcionários ganha mal; e o governo gasta muito com pessoal e aposentados.
Esse é o dilema em qualquer greve.
Tome-se o Executivo Federal. O salário mais alto é o de auditor/fiscal da Receita Federal e de analista/procurador do Banco Central: cerca de R$ 7 mil no final da carreira.
(A propósito: são justamente os que ganham mais, os da Receita Federal, que fazem mais greve).
Parte dos delegados da Polícia Federal ganha mais, R$ 9 mil no final da carreira, mas são apenas aqueles que ganharam processos na Justiça.
Tirante essas três carreiras, o topo para as demais não passa de R$ 5,5 mil.
Outros exemplos de salários no topo da carreira: médico, R$ 2,7 mil; professor universitário com doutorado e dedicação exclusiva, R$ 4,4 mil; diplomata, R$ 5,4 mil; professor de 1º e 2º graus, 40 horas semanais, graduado (menor nível na carreira do magistério) começa com R$ 432 e pode chegar a R$ 1,2 mil.
É pouco.
Certamente há adicionais para quase todos, gratificação por cargo de confiança para alguns, mas não vai muito mais. E tem o teto, R$ 8.500, salário do presidente da República, que é respeitado no Executivo Federal.
Marajás
São exceções. São funcionários ou categorias que conseguiram alguns truques, aprovados pela Justiça. Em geral encontram-se no próprio Judiciário e no Legislativo. Aliás, nestes dois poderes, mesmo sem truques, pagam-se os melhores salários do funcionalismo.
Mas é a menor parte da despesa com pessoal.
Ou seja, não é ético, mas faz pouca diferença na aritmética.
A despesa
O governo federal destina 70% de sua despesa não-financeira com pagamento de pessoas: funcionários ativos, aposentados do INSS e do setor público, salário-desemprego, abonos e renda mínima.
Mesmo com o arrocho salarial da maior parte do funcionalismo, essa despesa tende a aumentar pelo aumento do número de aposentados e pelas incorporações de gratificações, adicionais, vantagens pessoais.
Hoje, sobram apenas 30% para as atividades-fim, a prestação de serviços de saúde, educação, segurança, etc.
Trata-se obviamente de uma relação ruim. Uma empresa que gaste 70% com pessoal não está bem das pernas.
Universidades
Nas três universidades estaduais paulistas, professores no topo da carreira não chegam a R$ 5 mil por mês.
Entretanto, essas universidades, por lei, recebem 9,57% da receita do ICMS, que é a principal fonte de receita do Estado. Ora, destinar 10% da receita principal ao ensino superior é muito dinheiro em qualquer país do mundo. Em toda parte, os governos gastam bem menos com universidades e mais com ensino fundamental e médio.
Em resumo, o governo paulista já gasta demais com suas universidades. Os professores ganham mal. E o dinheiro não dá. As universidades gastam em torno de 85% da receita com pessoal.
Absolutamente inviáveis.
Soluções
Uma dos principais argumentos dos sindicatos de funcionários diz que o governo, em todos os níveis, gasta muito com juros pagos aos banqueiros. Bastaria reduzir essa conta ou dar o cano nos banqueiros e, pronto, sobraria dinheiro para pagar melhor aos funcionários.
É verdade que o governo gasta muito com juros. É verdade que bancos ganham dinheiro comprando títulos do governo.
Mas também é verdade que a maior parte da poupança da classe média está em títulos públicos. Todo brasileiro que tem aplicação financeira, está ganhando juros do governo. Os fundos de investimento são basicamente lastreados em títulos do governo federal.
O calote, portanto, não atinge só os bancos.
E mesmo que atingisse: o fato é que o setor público é devedor. O que arrecada de impostos, taxas e contribuições ? que é muito, 3,20 reais em cada 100 reais produzidos no país ? não é suficiente para pagar todas as despesas, incluídos juros. E muito menos para amortizar toda a dívida, feita no passado, em décadas de gasto descontrolado.
Assim, parte principal da dívida é rolada, renovada todo ano. O governo recolhe um título velho e coloca papéis novos.
Se der um calote, o que vai acontecer?
Simples: ninguém mais vai emprestar para o governo, nem os banqueiros, nem as pessoas que hoje aplicam em títulos públicos.
Aí sim vem uma verdadeira crise financeira.
E ? quer saber? ? talvez fosse um aprendizado. Sem ter onde pegar emprestado, o governo só poderia gastar o que arrecada de impostos. Torrado esse dinheiro, simplesmente suspenderia pagamentos, de salários ou de merenda.
Mas seria o caminho mais doloroso para esse aprendizado fiscal.
Em resumo, é certo que o governo precisa reduzir sua conta de juros, mas isso se consegue com a melhoria das condições gerais da economia, inclusive na saúde financeira do setor público.
Pessoal
E aí vem a questão que os funcionários odeiam: o excesso de pessoal.
Tome-se o caso das universidades paulistas.
Na maior delas, a USP, a relação é de um professor para 11 alunos; e um funcionário para menos de quatro alunos
Na Unicamp, um professor para cada dez alunos; e um funcionário para menos de três alunos.
São relações baixas, mas muito baixas, em qualquer critério de comparação.
Ou seja, ou há professores e funcionários de mais ou alunos de menos. Provavelmente, as duas coisas. Era possível ter mais alunos com menos professores e funcionários.
Na Unesp, ano passado, formaram-se 3,3 mil alunos na graduação. E matricularam-se 5 mil. A relação entre matriculados e formados é de 0,66, muito baixa.
Teria de ser de pelo menos 0,85, conforme padrões internacionais. Ou sejam, a Unesp deveria estar formando pelo menos mais mil alunos por ano.
A relação é parecida nas demais universidades ? e o nome disso é desperdício de dinheiro público.
Não há, portanto, nenhuma dúvida: é preciso uma profunda reforma administrativa nas universidades. Não apenas reduzir pessoal, mas mudar os métodos de gestão e administração.
Inclusive para poder pagar mais para os melhores. Hoje, se um professor ganhar um Prêmio Nobel ele continuará ganhando a mesma coisa que um colega que mal aparece na faculdade, nem abre um livro há anos. E se o governo der aumento para o Prêmio Nobel tem de dar para os que não fazem nada.
Não pode dar certo.
Aposentados
O outro grande problema está nos aposentados. Ao entrar no serviço público, o funcionário ganha direito a aposentadoria integral ? situação única no mundo ? paga pelo caixa do Tesouro. Como o número de aposentados sempre tende a aumentar, a conta aumenta sem parar.
Portanto, é preciso tirar os aposentados da folha. Para isso, é necessário constituir fundos de aposentadoria, com contribuições maiores e remunerações não integrais, mas proporcionais ao montante das contribuições.
Os sindicatos de funcionários também não querem ouvir falar disso.
Querem apenas mais dinheiro público para continuar gastando mal, como é hoje.
Não funciona. A crise assim não tem fim.
Aliás, tem um fim: é a destruição completa do serviço público.