Quem quer mais inflação?
Carlos Alberto Sardenberg
Eis aqui alguns caminhos para o governo Lula forçar o Banco Central a reduzir juros ou, simplesmente, para infernizar a vida de seu presidente, Roberto Campos Neto, esperando que ele jogue a toalha.
Primeiro, forçar a demissão de Campos Neto por “comprovado e recorrente desempenho insuficiente”, como se diz na lei que estabeleceu a independência do BC. Seria assim: o Conselho Monetário (CMN, integrado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo próprio presidente do BC) submete o pedido de exoneração ao presidente da República, que o encaminha ao Senado. Por maioria absoluta (41 votos), o Senado pode decretar a demissão.
Do ponto de vista técnico, não funciona. A missão principal do BC é a estabilidade de preços, a ser obtida conforme o regime de metas de inflação, o qual, de sua vez, segue regras públicas. O BC está cumprindo. Mantem os juros elevados porque as projeções de inflação mostram números bem superiores às metas.
(Aliás, o pessoal do governo, da indústria e do comércio tem dito que o BC pode reduzir a taxa básica de juros porque a inflação está caindo. Mas não é esse o critério da lei: o que vale é a projeção de inflação estar ou não na direção das metas).
Mas, sabem como é, o Senado faz política. Querendo, arranja os argumentos para derrubar Campos Neto. Assim, Lula precisa buscar os 41 votos.
No momento, não os tem. O presidente da República tem cargos e verbas para, digamos, convencer parlamentares. Mas sairia caro, com resultado duvidoso. Um eventual novo dirigente do BC teria que mudar a opinião de toda a diretoria – que tem votado com Campos Neto.
Passa-se à segunda possibilidade: mudar as metas de inflação. Dá para fazer. É decisão do CMN, onde o governo tem a maioria.
A meta para este ano é de 3,25%, tolerando-se até um teto de 4,75%. As projeções do próprio BC indicam que a inflação real vai a 5,8%, bem acima dos parâmetros. E mesmo com a taxa básica de juros a 13,75%. Ora, se o CMN fixar uma nova meta de, chutando, algo como 7%, para evitar surpresas, o BC poderia já começar a reduzir os juros.
A coisa aqui está um tanto simplificada, mas é por aí. Meta maior, juros menores.
Portanto, – e este é o ponto principal – para conseguir uma queda imediata do juro é preciso aceitar que o Brasil vai conviver com inflação mais elevada. É uma tese defendida por muitos economistas. Diz que inflação tipo 2% a 3% ao ano é coisa para países desenvolvidos. Países emergentes, do segundo time, poderiam conviver com bem mais que isso.
Historicamente, a inflação nos emergentes tem sido mais elevada. Mas é mais por pecado do que por virtude. E por razões políticas. Em ambiente inflacionário, ganha mais – ou perde menos – quem tem maior capacidade de ajustar sua renda mais rapidamente. Os preços no supermercado podem subir todos os dias. Já os salários, mesmo quando reajustados mensalmente, sempre perdem a corrida.
De todo modo, continua a tese “heterodoxa”, um “pouco” de inflação é melhor do que juros asfixiantes. É verdade que os juros altos encarecem o crédito e assim diminuem o apetite de consumidores e empresários. Esfriam a economia. Mas o juro elevado, por um determinado tempo, só se justifica para obter o prêmio mais à frente: preços estáveis e inflação baixa, o que beneficia toda a população.
Já a tolerância com a inflação leva a uma aceleração dos preços, especialmente no Brasil, onde há muita indexação. A inflação de um ano será igual à do ano anterior, acrescida dos fenômenos de alta do novo período.
Ou: se a meta oficial é de 7%, os empresários vão colocar esse valor nos seus preços e mais aumentos de custos específicos de seu negócio.
Já viram onde vai parar. Tolerância com um “pouco” de inflação dá numa baita aceleração de preços, exigindo remédios ainda mais amargo (juros na lua) para contê-la.
É uma pena que ainda exista essa discussão, depois de o Brasil ter passado por hiperinflação e por amplos períodos de estabilidade. A comparação é fácil, não é?
Há aí ignorância, mas também uma esperteza escondida.