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Coronavírus é recessão

Coronavírus é recessão

 

Carlos Alberto Sardenberg

 

         Eis como a situação econômica, em qualquer país, pode se complicar, em consequência das restrições impostas para o controle do coronavírus. Começa que a empresa perde receita ou porque teve que fechar (cinemas, por exemplo) ou porque os consumidores não vão às compras.

         Mas continua com suas obrigações básicas, pagamento de salários, impostos e prestações de empréstimos, além da conta de insumos adquiridos anteriormente. Se essa situação se prolonga, a empresa atrasa impostos, dá o cano nos bancos e demite funcionários. E a crise passa para o governo, que perde receita, para os bancos, que levam calote, e, mais importante e grave, para os trabalhadores que perdem emprego.

         É a partir daí que todos, governo e sociedade, devem organizar as respostas para dividir os prejuízos. No fundo, sabe-se o que fazer. A questão política é como coordenar as medidas nacional e globalmente.

         Governos podem adiar o pagamento de impostos, especialmente para os setores mais atingidos. Bancos podem negociar a reestruturação de financiamentos. Na Itália, a associação de bancos disse que seus membros podem suspender as dívidas de pequenas empresas e de pessoas, incluindo hipotecas. E as empresas em geral podem evitar as demissões, por exemplo, reduzindo a jornada de trabalho, com redução equivalente de salários. Mesmo assim, governos devem estender os benefícios de desemprego.

         Tudo isso custa dinheiro e requer outras ações para amenizar os danos. Os bancos centrais já se preparam para injetar dinheiro no sistema financeiro, comprando títulos de bancos e empresas. Em muitos países, a taxa de juros já está a zero ou negativa – era uma resposta à desaceleração econômica que já acontecia antes do coronavírus. Nesses casos, só resta a opção de dar liquidez ao mercado. Mas nos Estados Unidos, por exemplo, é praticamente certa a redução dos juros a zero.

         E, finalmente, todos os governos precisam gastar muito dinheiro no controle da epidemia.

         Nada disso é novidade. As medidas econômicas de combate à recessão foram aplicadas na crise de 2008/09, com bastante sucesso. E houve uma extraordinária coordenação entre governos, bancos centrais e instituições globais, como o FMI e o Banco Mundial.

         E aqui já aparecem alguns problemas. A coordenação nacional e global, por exemplo, é menos provável hoje. Peça fundamental, o governo americano, com Trump, está mais para tentar tirar vantagem (América primeiro) do que para cooperar. Aliás, como Bolsonaro nesta semana, Trump já havia dito que a epidemia era mais coisa da imprensa e dos democratas. Agora, está dizendo que os democratas bloqueiam as medidas de controle do vírus. Também se vangloriou com a frase: temos uma economia muito forte, mas isso causa inveja no mundo (em tradução livre).

         De outro lado, existe a situação específica de cada país. No Brasil, por exemplo, os governos federal e estaduais estão em déficit, fazendo ajuste fiscal. Como poderiam aumentar gastos e perder receita com adiamento do pagamento de impostos?

         Sem dúvida, uma reação lógica está na aceleração das reformas. A tributária, por exemplo, facilitaria em muito a vida das empresas. Também seria importante a aprovação da “PEC emergencial”, que permitiria mudanças nos gastos, com a redução no pagamento de salários e aumento de despesas em outras áreas, como saúde e infraestrutura.

         Ocorre que a pressão no Congresso será na direção contrária: não cortar nada e aumentar gastos em geral.

         Nesse quadro, não ajuda em nada a atitude agressiva do presidente Bolsonaro e seu pessoal em relação ao Congresso e à mídia, esta que tem importante função de informar e esclarecer. Se o presidente diz que a crise é mais coisa da grande mídia, isso pode desmobilizar esforços e cuidados que todos deveriam tomar.

         Além disso, atrapalha a coordenação que deveria ocorrer em todas as instâncias da administração para combater a epidemia e seus efeitos na economia.

A guerra de preços do petróleo lançada pela Arábia Saudita foi, literalmente, gasolina no incêndio. Mas é mais provável um arranjo  aqui, com um armistício entre Arábia Saudita e Rússia.

         A crise do coronavírus, com ameaça de recessão, é mais ampla e mais difícil de administrar.