CONTRA O CONSUMIDOR

A ofensiva da Anatel e do governo Dilma sobre as teles é um sucesso total de público e crítica. Pessoal em Brasília celebra o movimento como mais um lance forte da presidente, de novo ao lado dos consumidores (o povo) contra as grandes companhias (o capital).
Foi como a investida sobre os bancos privados para forçá-los a reduzir juros. Mas agora o inimigo é bem melhor. São 256 milhões de linhas de celular. É um número muito superior ao de clientes bancários e, em especial, do que aqueles que tomam crédito nas instituições bancárias. Assim, quase todo mundo, incluindo as classes C e D, tem o seu celular e, pois, alguma bronca com as companhias.
Na aritmética, as teles têm um bom ponto. Foram cerca de 75 mil reclamações na Anatel, neste ano. Isso dá 0,03% das 256 milhões de linhas habilitadas no momento. É nada.
Mas o número engana. Só uma pequena minoria se anima a reclamar. E, por falar nisso, muitos não se animam por receio de perder tempo nas chamadas para os call centers daqueles órgãos públicos, incluindo Procons, cuja atuação não é monitorada nem fiscalizada.
De todo modo, e basta ver pela reação na imprensa, todo brasileiro tem alguma história de problema com alguma companhia de telecomunicações. Alvo certo, portanto.
Isso prova que o governo está certo ao apertar as teles? A resposta é não. As ameaças e a suspensão provisória da venda de linhas vão resolver os problemas de qualidade? Também não.
Começa que a história dos celulares no Brasil é um tremendo êxito. Se contarmos a partir da privatização (1997, quando havia 4,7 milhões de linhas) o salto foi de 54 vezes. Se contarmos de 2000 até 2011, período para o qual há dados globais uniformizados, o número de linhas foi de 23 para 256 milhões, um aumento de 10,5 vezes. Índia e China tiveram saltos maiores, mas o ritmo brasileiro ficou acima da média mundial.
Além disso, segundo a União Internacional de Telecomunicações, no ano passado o Brasil foi o país em que mais se ampliou a penetração dos celulares. Resumindo, o Brasil é hoje o quinto mercado mundial de celulares, atrás de China, Índia, EUA e Rússia.
Todo esse ganho não poderia ter sido obtido sem o pesado investimento das teles. Houve demanda e as companhias souberam criar demanda com a oferta de produtos (como o pré-pago) para as classes de menor renda.
Mas a bronca está em outros dois pontos: o preço e a qualidade. Quanto ao preço, a base do problema é imposto. Numa conta de 100 reais, o consumidor paga 60 pelo serviço e 40 para os governos federal e estaduais. A parte do governo sobe ainda mais quando se consideram os impostos pagos pelas companhias no momento do investimento e as taxas diversas, como aquelas cobradas por prefeituras para emitir licença de construção de torres e instalação de antenas.
Ou seja, preço é problema de governo. Por isso, nem a presidente nem a Anatel se envolvem neste quesito. Nem os Procons. Pode-se perguntar, portanto: não seria abusiva e lesiva ao consumidor essa cobrança de impostos?
Quanto à qualidade, há o problema dos sinais (ligação falha) e do atendimento e prestação de serviço ao cliente.
Para os sinais, uma dificuldade está na instalação das antenas. Além da federal, há mais de 250 leis estaduais e municipais que limitam a construção das torres. Sem contar a burocracia para obter as licenças.
Tanto é problema que o Comitê Organizador da Copa fixou procedimento especial para as 12 cidades-sede. Nelas, as licenças para instalação de torres têm de sair em no máximo 60 dias. Isso porque as teles estão obrigadas a instalar as redes de quarta geração (4G) até abril de 2013. Hoje, a licença que sai mais rápido não demora menos que seis meses. Ou seja, com as regras atuais, não sai, nem com a bronca da presidente.
Finalmente, a culpa das teles. Boa parte das falhas vem da velocidade do crescimento. Em um mercado muito competitivo e sob pressão para cumprir prazos da concessão, as teles mandaram ver. Parece claro que, não raro, faltaram equipamentos e mão de obra, piorando a qualidade dos serviços. Lembram-se dos rolos na instalação da primeira internet?
Ora, isto não deveria ter sido percebido pelo governo e pela agência? Por que não conseguiram prevenir o problema. Dinheiro não faltou. Só para as concessões de licenças 4G, as teles pagaram quase R$ 32 bilhões. E pagam todo ano taxa cujo dinheiro deveria ter ido para a fiscalização e prevenção.
Resumindo: ninguém vive sem celular, já estamos na banda larga, trata-se de um êxito. Há problemas a enfrentar neste momento, mas claramente o governo não fez a sua parte e, não raro, atrapalha.
Mas quem quer saber disso? Mais fácil bater no grande capital. Como me disse um ouvinte da CBN, de Maricá, quando lhe explicaram que o sinal era ruim, sua bronca, por falta de antenas: ?nós moradores tomamos, há muito tempo, nossas precauções para evitar que nossas praias e matas virem paliteiros antena aqui só com a aprovação dos moradores?. Que não dão moleza para essas companhias.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 22 de julho de 2012

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