. Ministros para fazer o quê?
O presidente Lula saiu-se com esta, na última quinta, ao falar da reforma ministerial: com Educação e Saúde, não se pode partidarizar, não se pode brincar; se brincar, dá analfabetismo e morte.
O que torna inevitável a pergunta: com os outros ministérios, pode?
Talvez pareça má vontade, mas o contexto era exatamente esse. Pode até ter sido um ato falho do presidente, mas atos falhos têm sentido. E Lula estava como que justificando por que havia escolhido técnicos para aquelas duas pastas, rejeitando indicações partidárias. Indicações que acolheu para muitos outros ministérios.
Há muitas confusões aí. O primeiro ministro da Saúde do governo Lula foi o médico Humberto Costa ? e não se pode dizer que tenha feito uma boa gestão. Já outro médico, Antonio Palocci, fez um trabalho sensacional, mas no comando da equipe econômica.
No governo FHC, um economista, José Serra, saiu-se razoavelmente bem no Ministério da Saúde, melhor do que no Planejamento, seu posto inicial.
Mas os três têm um ponto em comum: à parte suas qualificações técnicas, são políticos de longa militância, sendo esta, aliás, a atividade principal.
Por outro lado, Lula teve entre seus melhores ministros dois não políticos, os empresários Luiz Fernando Furlan, da indústria, e Roberto Rodrigues, do agronegócio. Foi até um risco que o presidente correu, pois representantes assim tão diretos de um determinado setor costumam ser mais lobistas do que ministros. Ambos defenderam seus setores, mas conseguiram marcar suas gestões por uma visão nacional mais abrangente.
Tudo isso para dizer que, afinal, não importa muito se o ministro é técnico ou político ou as duas coisas. Isso porque comandar um ministério é uma função ao mesmo tempo técnica e política. Do ponto de vista técnico, a pessoa não precisa chegar lá sabendo de tudo. Mas precisa ter boa capacidade de aprender. Foi exatamente o caso de Palocci. Saiu de lá como consultor de economia. Também não precisa chegar lá com carteirinha de político partidário, mas precisa aprender, pois um ministro faz política o tempo todo: dentro do governo, para conseguir impor seus pontos de vista e arrancar os recursos necessários; dentro do setor, para conseguir emplacar seus programas; no ambiente político propriamente dito (Congresso, partidos, etc); e na sociedade. Técnicos fracassam quando não conseguem viabilizar suas grandes idéias. E políticos fracassam quando não conseguem ou não se interessam em aprender a parte técnica. Como o ministro da Defesa, Waldir Pires, que nunca sabe o que se passa no tráfego aéreo. O mais importante de tudo, porém, é saber para que o presidente escolhe tal ou qual ministro. Para desenvolver qual política? Às vezes, o presidente sabe exatamente o que quer. Quer, por exemplo, ampliar o Bolsa Família e aí designa a pessoa que lhe parece adequada para isso. Outras vezes, porém, o presidente não sabe muito bem o que fazer em determinada área. Aí conversa, consulta, ouve, e seleciona aquele que o convenceu. É claro que, no regime presidencialista, em qualquer país, há consultas partidárias e indicações políticas. Mesmo assim, o presidente só pode aceitar indicações que sejam adequadas ao seu próprio programa de governo, aquele pelo qual se elegeu. E não se ouviu nada disso durante a longa formação do ministério. Esse novo ministro da Agricultura, Odílio Balbinotti, por exemplo, vai fazer o quê? Desenvolver a produção de transgênicos, já que ele próprio produz sementes de soja transgênicas? ?Vamos analisar profundamente" esse assunto, disse Balbinotti, quando perguntado. Aliás, explicou que ainda precisava se inteirar dos assuntos pois, esclareceu, ?estamos começando hoje". Disse isso na última quinta, depois de um encontro em que foi apresentado ao presidente Lula. Confirmou data da posse, mas não informou quais políticas o presidente lhe recomendara. O tempo todo se discutiu a cota dos partidos, a cota pessoal do presidente, como a composição do ministério poderia influir na sucessão presidencial daqui a quatro anos, mas nada de políticas setoriais. O Ministério do Turismo, por exemplo, entrou na dança várias vezes e em nenhum momento se discutiu uma questão crucial, a política de vistos de turista. Valfrido dos Mares Guia, o ministro do primeiro mandato, acabava de fixar o objetivo de obter uma receita com turistas estrangeiros de US$ 10 bilhões, em 2010. Número ambicioso, dado que a receita do ano passado foi inferior a US$ 5 bilhões. Para alcançar esse resultado, todo o pessoal do setor sabe que é preciso eliminar ou, na pior das hipóteses, facilitar o vista de entrada para os norte-americanos. Hoje, o viajante americano precisa pegar o visto em algum consulado nos EUA, e são pouquíssimos, apresentando larga papelada e pagando caro. Isso por causa da chamada política de reciprocidade, fazer a mesma coisa que os EUA exigem dos viajantes brasileiros. Ocorre, como não se cansou de explicar o próprio Mares Guia, que tem um monte de terroristas querendo entrar nos EUA, assim como milhões de imigrantes ilegais de países do mundo todo, inclusive do Brasil. Não ocorre nada sequer parecido com o Brasil. Ao contrário, o turismo aqui quer mais entradas de americanos. Mares Guia não conseguiu emplacar esse ponto. E o novo? Nada se falou. Na verdade, o problema vem lá de trás. Não apenas a última, mas as campanhas eleitorais no Brasil estão se transformando em marketing cuidadoso para agradar o eleitor ou para não assustá-lo. Nada de temas complexos ou espinhosos. Os debates são montados conforme regras que os deixam superficiais e ligeiros, com pouquíssimo tempo e espaço para tratar temas relevantes. O correto seria, como nos EUA, que se fizessem debates sobre temas específicos. Por exemplo, um debate só sobre Previdência, e com regras que permitissem que os candidatos e mediadores trocassem idéias exaustivamente. Na falta disso ? de campanhas, afinal, afirmativas ? o governo Lula vai montando suas políticas ao sabor das circunstâncias. O resultado é um governo muito heterogêneo: um ministro quer atrair os turistas americanos, outro quer torrar a paciência deles; um ministro odeia os transgênicos e o agronegócio, outro é o maior plantador de transgênicos; um quer baixar a inflação, outro a quer maior; um quer construir hidrelétricas na Amazônia, outro não dá as licenças; um que privatizar rodovias, outro quer estatizar. Não é apenas engraçado. Tira eficiência do governo, torna intermináveis as discussões internas, adia decisões. E assim vai. Ou não vai. Publicado em O Estado de S.Paulo, 19 de março de 2007