QUANDO O OPOSICIONISTA TORNA-SE MODERADO

. Neomoderados Não existem leis da política como existem as leis da natureza. A política é feita por homens e mulheres, que aprendem no decorrer de suas histórias pessoais, assim como da história coletiva. A natureza se repete sempre do mesmo modo, daí ser tão previsível. Na política só se pode falar de possibilidades e, no máximo, de probabilidades. Mas justamente porque homens e mulheres aprendem com suas próprias experiências e com a dos outros, há comportamentos que se repetem. Não exatamente igual, como na natureza, porém mais ou menos, como uma tendência. Assim, pode-se dizer que todo oposicionista, em qualquer país, torna-se cada vez mais moderado quanto mais perto chega do governo. Arriscaria formular uma espécie de lei: o processo de moderação de um oposicionista é diretamente proporcional à distância que se encontra do poder. Mas esse processo de moderação pode ter dois sentidos diferentes. Em um tipo de movimento, o candidato torna-se moderado depois de conquistar o eleitorado com um discurso fortemente oposicionista. Às vezes, o sujeito só se modera depois de ganhar a eleição ou, ainda, depois de, já no governo, ter tentado algumas mudanças radicais que resultaram em crise. No outro tipo de movimento, o líder de oposição torna-se moderado bem antes das eleições, justamente com o objetivo de ganhar os votos que faltam – os votos do centro – para formar a maioria. O leitor e a leitora terão identificado políticos brasileiros nesta filosofia ligeira, coisa de jornalista. E muita gente tende a achar que esses políticos só se movem por pura malandragem. A moderação seria eleitoreira. Pode ser, mas há processos sinceros, ainda que o sincero aqui possa ser tomado politicamente. O sujeito ganha a eleição, assume a presidência, continua achando que o mercado financeiro é um bando de parasitas, mas aprende que não se pode brincar com esse mercado. Ou ainda: continua achando que pode colocar o salário mínimo a mil reais, mas não o faz porque os aliados e colaboradores dizem que não vai dar. Eis aí, a moderação e o bom senso são fatores da democracia. Quem está na oposição e sabe que de lá não sai tão cedo, radicaliza. Mesmo isso tem serventia: propostas ainda que inviáveis colocam o assunto na pauta. Mas não levam ao poder. Há oposicionistas que não se importam. Acham que se não for para fazer tudo o que querem não vale a pena ser governo. Outros, porém, na maioria, entendem que fazer alguma coisa é melhor que nada. E que oposição para sempre acaba sendo uma chatice. (Muitos se arrependem depois, quanto vêem a trabalheira e a responsabilidade que é governar). O certo é que Luis Inácio Lula da Silva e o PT cansaram de fazer 30% e não levar. Não mudaram suas crenças – provavelmente ainda sonham com um socialismo totalmente igualitário – mas, na razão, devem ter concluído que é certamente por algum motivo forte que não há nenhum regime assim, embora se tenha tentado em muitos países. Provavelmente ainda gostariam de romper com o FMI, mas aprenderam que isso é um tremendo custo. Enfim, este é um caso daquele segundo tipo de movimento de moderação, feito antes das eleições para apanhar os votos que faltam. Já o caso de Ciro Gomes é do outro tipo. Ele começou com seu discurso tipo metralhadora giratória. Partiu do princípio que estava tudo errado, tanto no governo FHC quanto na oposição petista, e distribuiu críticas e propostas salvadoras e facílimas para tudo. Impressionante mesmo como parecia tão fácil resolver os problemas brasileiros.  Era, porém, um discurso de terceiro lugar. De repente, está lá na ponta. Notícia da semana passada: assessores de Ciro estão reescrevendo o programa, considerando-se que o primeiro apresentado era apenas um esboço para debates. Eis aí o processo de moderação – ou choque de realidade – em movimento. O sujeito começa a deixar a posição de simples coadjuvante para a de protagonista, alvo das atenções e das cobranças. Pode, então, se atrapalhar ou se consolidar. De todo modo, para ganhar e levar e governar, é preciso formar uma maioria consistente e viável. Para isso, é preciso respeitar as realidades e juntar as aspirações e os interesses de muita gente. Só se consegue com uma liderança que modere, ao mesmo tempo, as vontades de todos, de modo a sair algo parecido com uma média. O mais difícil, na verdade, é que os processos de moderação não acabam nunca. O neomoderado está sempre sujeito a tentações pessoais (“quer saber de uma coisa? É hoje que eu dou um chega pra lá nesse FMI”) e, sobretudo, está sob pressão dos velhos companheiros (então você passa vida toda gritando que o salário é uma mixaria e quando chega lá não vai aumentar de uma canetada?) Por isso é melhor que a moderação se faça antes das eleições e de maneira muito clara. Senão parece mesmo oportunismo. E oportunistas, o senhor e a senhora sabem, mudam a toda hora. Em O Estado de S.Paulo, 05 de agosto de 2002

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