FALSAS SOLUÇÕES BRASILEIRAS

. Jabuticabas Vamos repetir: tudo que só dá no Brasil, e não é jabuticaba, não presta. Ou seja, toda vez que lhe disserem que se está preparando solução brasileira para um assunto qualquer, desconfie. Ou é uma maneira de não fazer nada ou, pior, se trata de arranjar uma saída que defenda interesses não confessados. Tome-se o caso da criminalidade. Há um amplo debate no país – e é bom que isso aconteça – mas a situação chegou àquele ponto em que se demanda ação concreta e rápida. Dizem os que procuram jabuticabas: calma, é preciso avaliar bem as condições do crime no Brasil para encontrar as soluções adequadas. Ocorre que não há crime à brasileira. Ainda bem. O que acontece por aqui repete o que aconteceu em diversos outros países – ineficiência e corrupção da polícia, idem para os sistemas judiciário e penitenciário, infiltração do crime organizado nas instituições – de modo que se tem, de graça, uma ampla experiência internacional a copiar. É simples assim. Basta examinar casos de países, cidades e/ou estados nos quais se obteve uma substancial redução da criminalidade, verificar o que há de comum entre eles e fazer igual. Na verdade, nem essa pesquisa é preciso fazer. Também está pronta e mostra o seguinte: no curto prazo, uma intervenção sobre o aparelho policial, em primeiro lugar, e sobre o sistema prisional, em segundo, leva a uma rápida redução do número de crimes. Também há lições sobre como fazer essa intervenção. No que se refere à polícia: combate feroz à corrupção e meios para aumentar a confiança e o respeito aos policiais. Para combater a corrupção: aumentar o salário dos policiais e, aí sim, proibir os bicos; criar incentivos ao combate à corrupção, como prêmios para quem denunciá-la, seja ou não policial; criar grupos especiais, incluindo policiais, promotores e juízes, com a função exclusiva de perseguir a corrupção na polícia; e, claro, punição rápida, e com imensa publicidade, de todos os apanhados com a mão na massa. Para restabelecer o respeito e a confiança na polícia: dar instrumentos, equipamentos e gente de modo a elevar rapidamente a capacidade de investigação e apuração; e fixar sistemas de controle externo da atividade policial. Óbvio, não? Tão óbvio que foi assim que funcionou em diversas cidades pelo mundo afora. A pergunta é outra: por que não se faz aqui a coisa óbvia e certa, com a urgência que a situação exige? Por exemplo: como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, poderia aproveitar a experiência internacional na investigação dos três casos nos quais, aliás, joga seu futuro político, o sequestro de Washington Olivetto e os assassinatos dos prefeitos Celso Daniel e Toninho do PT? A Constituição Federal – mais uma da Constituição cidadã! – impõe a divisão das polícias civil e militar. (Aliás, outra jabuticaba transgênica. No mundo inteiro que dá certo, a polícia é unificada e municipal. Aqui é estadual e dividida). Mas certamente os advogados encontrariam uma saída para o governador nomear uma força-tarefa para cada caso. Escolheria os melhores policiais do Estado, agregaria promotores, unificaria o comando de cada grupo, entregaria os recursos necessários e mãos à obra. Provavelmente, as corporações e as burocracias das duas polícias jogariam várias cascas de banana pelo caminho. Mas não é o que já fazem as polícias, uma em relação à outra, e as delegacias versus delegacias? Tome-se o caso do assassinato do prefeito Toninho do PT, ocorrido em setembro do ano passado. A investigação ficou por conta da polícia de Campinas, porque o regulamento e a rotina assim determinavam. Mais de três meses depois, o caso foi centralizado na Delegacia de Homicídios sediada na Capital – e estava a zero. Na verdade, estava mais complicado, pois policiais de Campinas partiram para uma diligência no Litoral Norte e lá mataram quatro suspeitos – de maneira que agora são duas histórias a apurar. E a Delegacia de Homicídios partiu do zero. No caso de Olivetto, vamos falar francamente, a polícia deu uma sorte monumental. Uma sucessão de acasos levou aos sequestradores e à casa onde estava Olivetto. E pelo menos até agora, parece que a polícia não avançou muito além do que lhe caiu no colo. No caso Celso Daniel, os jornalistas perceberam claramente a falta de ordem na investigação – com delegados disputando a história. Ou seja, as forças-tarefa não fariam pior. E teriam uma chance de fazer melhor, podendo inclusive ser o ponto de partida de uma nova polícia. Porque esta também é uma experiência internacional: às vezes o corpo policial está tão dominado que não há outra saída senão criar uma outra organização. Mas, dirão o leitor e leitora, esta não é uma página de economia? Exatamente. Pois criminalidade é um fato econômico. Influi nas opções de investimento e pesa no sentimento do consumidor. Muito do baixo astral que dominou os meios econômicos nas últimas semanas – sem que os indicadores o justificassem – provavelmente tem a ver com os sentimentos de impotência e de desânimo que se seguiram ao assassinato de Celso Daniel. Um meio de começar a reverter isso é, no primeiro momento, mostrar uma polícia diligente, limpa e eficiente. Ajuda a economia, sim senhor. A boa polícia de Rudolph Giulianni foi peça essencial na revitalização de Nova York. Publicado em O Estado de S.Paulo, 18 de fevereiro de 2002

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