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O mercado está errado

         É tipo reflexo condicionado: qualquer situação que ajude o presidente Temer, a Bolsa ensaia uma alta. Especulação, claro, mas tem um lógica disseminada no mercado. Assim: governo fortalecido é capaz de encaminhar a agenda econômica e votar a reforma da Previdência.

         Dirão: é não é exatamente assim que acontece? A Bolsa caiu quando saiu a primeira notícia da delação da JBS e subiu quando a delação começou a melar e Temer se safou da denúncia no Congresso.
         É que especulações também funcionam, ainda que por período limitado. Além disso, tem o comportamento de manada. Não raro, o mercado embarca numa delas – e a do momento é essa.
         Mas não é bem isso que acontece. Há muitas outras situações a observar. O primeiro ponto: não há nenhuma indicação de que o presidente Temer, escapando de Janot, ganha força política e credibilidade para comandar a votação da reforma da Previdência.
         Ao contrário: a maior parte da base governista se sente mais confortável se não tiver que votar temas polêmicos. Trata-se de um projeto de emenda constitucional, que exige 308 votos na Câmara dos Deputados, um quórum muito longe da atual capacidade do governo.
         Essa maioria teria que ser construída na base do argumento segundo o qual o setor público está quebrado, com déficits e dívidas em alta. Não há esse consenso na base governista. Nem interesse em discutir o ponto. O pessoal lá só quer saber de cargos e verbas para ganhar eleições.
         Temos aqui, portanto, duas intepretações diferentes. Quando  o presidente Temer escapa das denúncias, o mercado acha que ele fica forte para fazer reformas. Já a base governista quer ajudar o presidente para arrancar vantagens pessoais e/ou partidárias. Obtendo êxito, cobra não as reformas, mas o pagamento fisiológico.
         Considerem o caso da privatização da Eletrobras. No dia em que foi anunciada pela equipe econômica, conforme, aliás, um programa bem articulado, o mercado entrou em êxtase. Num dia, o valor de mercado da estatal saltou de R$ 20 bi para R$ 29 bilhões.
         Mas o que tem acontecido de lá para cá? Uma clara resistência da base política. A bancada de parlamentares de Minas esquece as divergências para se unir contra a privatização de Furnas, a principal subsidiária da holding Eletrobras. Nesta semana, governadores do Nordeste, apoiados pelos seus deputados e senadores, pediram formalmente ao presidente Temer que também retire a Chesf do programa de desestatização. E a base do governista do Norte apresentou um plano para capitalizar e reforçar a Eletronorte, como estatal, claro.
         Qualquer que seja o andamento dessa história, é uma longa e atrapalhada história. De onde tiraram que isso vale R$ 9 bilhões, assim na mão?
         Estatais dão cargos e contratos, tal é a visão da área política. Estatais estão quase quebradas, precisam de capital privado, tal é a ideia da equipe econômica – e do mercado, claro.
         Qual lado vai prevalecer para um presidente que precisa dos votos no Congresso para se salvar no cargo?
         É verdade, por outro lado, que muita coisa passou no Congresso, especialmente o projeto que fixou o teto de gastos públicos, além da reforma trabalhista, incluída a terceirização.
         Era outro momento – o momento imediatamente pós-Dilma, em que era preciso marcar diferenças. Além disso, a reforma trabalhista tinha bom trânsito num Congresso com forte presença de empresários e aliados. E também não se sabe ainda exatamente quais medidas Temer prometeu a dirigentes sindicais para “amenizar”, como se diz, pontos daquela reforma, incluindo o restabelecimento de algum modo de imposto sindical.
         E quanto ao teto de gastos? Sinceramente, acho que a maior parte da base governista não entendeu direito o que estava votando.  Tanto que, de lá para cá, essa base só tem reivindicado o contrário, mais gastos. E está levando. O governo aceitou aumentar o déficit previsto para este ano e o próximo. Déficit maior autoriza mais gastos. Repararam como a nova meta foi aprovada rapidamente no Congresso, mesmo em meio à confusão dos últimos dias?
         E finalmente, tem os fatos. Mesmo que caia a delação da JBS, os fatos não caem. Aliás, até pioram. Se Joesley era “esse salafrário”, como diz a defesa de Temer, como é que o presidente aceitou recebê-lo às escondidas? E pelo teor da conversa gravada, Temer sabia perfeitamente do que fazia Joesley.
         A maleta de dinheiro do Rocha Loures virou troco diante das malas e caixas encontradas no apartamento cedido a Geddel.  E, convém lembrar, na tal conversa com Joesley, Temer indicou Loures para substituir o já caído Geddel como interlocutor da maior confiança na relação JBS/Planalto.
         Vem aí a delação do Funaro, os processos contra os PMDBs do Senado e da Câmara, ou seja, a Lava Jato não para. O presidente escapa de uma e já imediatamente precisa dos votos e do Congresso para escapar de outra e assim vai.
         Resumindo, a Bolsa subiu porque a economia está em recuperação. Trata-se de uma recuperação cíclica, cuja principal causa é a queda da inflação e dos juros, que favorece o consumo. Isso, a despeito da política.

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