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O fator Joesley

Se você ainda não leu, vai ler: o Banco Central poderia ter reduzido mais ainda a taxa básica de juros se não fosse o Joesley.
         E qualquer pessoa tem todo o direito de perguntar: como é que a delação do dono da JBS chega a uma decisão do Comitê de Política Monetária do Banco Central? Aliás, antes disso: é verdade que chega?
         Pois a resposta é duas vezes sim. Não é uma questão de achar, trata-se de fatos.
         Começando pela taxa de câmbio. Desde fevereiro deste ano e até 17 de maio, quando, à noite, O Globo revelou a história da delação, o dólar estava oscilando na casa dos R$ 3,10. Chegou a encostar em R$ 3,05.
         No dia 18 de maio, no susto, a cotação saltou para R$ 3,40. Depois voltou um pouco, mas desde então varia na faixa de R$ 3,25 a 3,30. Mudou de patamar, mesmo com o Banco Central colocando no mercado nada menos que US$ 10 bilhões, para segurar a cotação. O stress, a sensação de crise provoca uma busca de proteção no dólar.
         Também houve mudança, mais clara ainda, nos juros de mercado – ou seja, nas taxas de juros efetivamente pagas nas negociações com títulos do Tesouro Nacional (papéis da dívida do governo). No dia 17 de maio – sempre lembrando que a história da delação saiu depois do fechamento dos mercados – a taxa de juros em um título com vencimento em um ano era de 8,7%. No dia seguinte, saltou para 10%.
         Como no caso do dólar, também houve uma acomodação, mas os juros seguem quase um ponto acima do nível pré-delação.
         Parece pouco? Pois coloque 1% em cima de uma dívida de trilhões.
         Mais ainda: quando os operadores negociam títulos do governo – ou títulos privados – tratam de estimar de quanto será a taxa básica de juros, a Selic, aquela fixada pelo BC e mais ou menos a taxa que o Tesouro(o governo) paga quando toma emprestado.
         Pois então: no dia 17 de maio, esses negócios indicavam que o mercado esperava uma Selic abaixo de 8% para o final deste ano. Nas operações feitas ontem à tarde, antes  de conhecida a decisão do BC, se embutia uma Selic mais perto de 9%, também para dezembro.
         Portanto, é fato que a crise política pós-Joesley afetou câmbio e juros. A questão seguinte: como isso chega à mesa de reuniões do Copom?
         Com a taxa de câmbio é mais fácil de entender. Dólar caro é fator inflacionário. Aumenta os preços do que é importado, do que tem componente importado e do produto de negociação internacional (soja, por exemplo). Ora, no regime de metas de inflação, a regra básica é assim: inflação em alta, juros para cima, e inversamente.
         Assim, se o dólar permanece caro por algum tempo, causa inflação e isso reduz o espaço para o BC cortar juros.
         E por que os juros de mercado sobem direto na crise?
         Ocorre que o maior problema da economia brasileira está no déficit anual e na dívida acumulada do governo federal. Resumindo, a coisa está assim: o governo recolhe os impostos e começa a gastar; paga aposentadorias e salários (as duas maiores despesas); o funcionamento da máquina (de remédios a cafezinho do pessoal); e investe algo. No final das contas, o governo gasta tudo o que arrecadou e ainda fica faltando – algo como R$ 140 bilhões é o déficit esperado para este ano.
         Vai daí, o governo precisa, primeiro, tomar dinheiro emprestado para cobrir aqueles gastos do ano e, segundo, mais dinheiro para pagar os juros da dívida já formada. Resultado: a dívida fica cada vez maior. O governo aparece como um mau devedor, que tem de pagar juros maiores para se financiar. E a taxa mais alta se espalha pela economia.
         Qual seria o correto?  O governo gastar menos do que arrecada, fazer um superávit e usar esses recursos para amortizar parte da conta de juros. Com isso, a dívida entraria em “trajetória de queda”, essa expectativa derrubando juros.
         Ora, como os impostos já são elevados, o governo federal precisa reduzir gastos. E aqui caímos na reforma da previdência e na política.
         A  rubrica previdência é a maior despesa. Não haverá equilíbrio financeiro sem uma reforma que contenha o crescimento hoje explosivo desses gastos. A reforma, impopular,  tem que ser aprovada no Congresso, sob liderança do presidente da República. Um presidente pós-Joesley consegue fazer isso?
         Eis como se fecha o círculo. Antes da delação, o consenso era o seguinte: será aprovada uma reforma previdenciária que permitirá uma efetiva economia. Com isso e mais outras medidas de controle de gastos, o governo conseguiria voltar ao superávit e reduzir o endividamento.
         Isso aconteceria lá na frente, mas a economia trabalha por antecipação, por expectativa. Se está claro que o problema será resolvido, opera-se como se já estivesse resolvido.
         Agora, no pós-Joesley, a discussão não é sobre o tamanho da reforma, mas se haverá ou não. E isso piorou as expectativas de equilíbrio das contas públicas. Sobem dólar e juros de mercado, o BC tem menos espaço para cortar a taxa básica. Como disse o Copom ontem: o fator de risco principal é “o aumento da incerteza sobre a velocidade do processo de reformas e ajustes na economia”.
         O fator Joesley.