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Direito de quem?

Pode ser que a história não seja exatamente assim, mas que parece, parece: está em curso um movimento para legalizar os salários do funcionalismo que excedem o teto de R$ 33,7 mil.
No primeiro momento, os beneficiários desses chamados super-salários tentaram esconder os números. A presidente do STF, Cármen Lúcia, passou meses tentando obter dos tribunais de justiça de todo o país a lista completa dos vencimentos e dos auxílios (moradia, transporte, educação, saúde, etc), as tais verbas que rompem o teto. Conseguiu no finalzinho do ano e prometeu uma análise para 2018.
         Reparem: a ministra não mandou cortar nem suspender os penduricalhos, ainda que fosse provisoriamente. Apenas prometeu alguma providência futura, observando que pode haver “extra-teto” legal.
         Ora, é justamente esse o argumento dos tribunais e das associações de classe de juízes: o salário-salário, digamos assim, fica abaixo do teto. O que vem acima são “verbas indenizatórias”, que não contam como salário, mesmo que sejam pagas regularmente todos os meses. Ou seja, parece salário, é pago como salário mensal, mas juridicamente é “verba”.
         O levantamento entregue ao Conselho Nacional de Justiça mostrou que o extra-teto é regra e não exceção. Quase 80% dos juizes estaduais, por exemplo, ganham acima dos R$ 33,7 mil.
         Não é a primeira vez que se dá um drible nessa legislação. Não faz muito tempo, o teto era o salário do presidente da República (hoje de pouco mais de R$ 30 mil). Mexe daqui, mexe dali, aconteceu que os vencimentos dos ministros do STF ultrapassaram o teto presidencial. E, assim, em vez de se reduzir o salário dos ministros da Corte, elevou-se o teto – esse que agora é sistematicamente superado.
         A novidade deste ano é que o pessoal como que “assumiu” o super-salário. Em Rondônia, por exemplo,
o rendimento líquido dos juízes variou de R$ 62 mil a R$ 227 mil – recorde nacional no mês de novembro. Explicação do Tribunal de Justiça estadual: normal, trata-se de pagamento atrasado de auxílio moradia e transporte.
         No próximo ano, se a ministra Cármen Lúcia colocar na pauta, o plenário do STF vai discutir a constitucionalidade do auxílio-moradia – hoje pago mensalmente a todos os juízes do país, por força de liminares concedidas por Luiz Fux. Apostas abertas, caro leitor: como decidirá a Corte?
         Mas não é só no Judiciário. A defesa dos supersalários e dos privilégios do parlamentares e governantes está em plena atividade. No pacote fiscal do governo, havia duas medidas que afetavam os salários do funcionalismo: o adiamento do reajuste de várias categorias de 2018 para 2019; e o aumento da contribuição previdenciária de 11% para 14% para os que ganham acima de R$ 5 mil e incidindo só sobre a parte que ultrapassar os 5 mil.
         O ministro Ricardo Lewandovski derrubou as duas. Argumento, entre outros: não se pode discriminar nem penalizar os servidores que ganham mais; a alíquota de 14% seria “arbitrariamente progressiva”.
         Ora,  então vamos cancelar a tabela do imposto do renda. Aqui, como em toda parte, a tabela é progressiva, de tal modo que os que ganham mais, pagam mais. Na tese de Lewandowski, isso seria arbitrário, injusto, a menos que seu argumento tenha valor apenas para o alto funcionalismo.
         Na verdade, esse debate ficou enviesado. Reparem: não se fala em meritocracia, na qualidade do serviço prestado, no eficiente exercício da função. Ficou assim: de um lado, muita gente, mas muita mesmo, estupefata com os super-salários e, de outro, os interessados dizendo que é assim mesmo, um direito, e pronto.
         De certo modo, ficou assim também na Lava Jato e suas ramificações. Há juízes que mandam soltar, não vendo nada de anormal no sistema político, e outros que mandam prender, escandalizados com o nível de corrupção.
         Também na reforma da previdência: de um lado, um déficit que passa de R$ 270 bilhões neste ano; de outro, a defesa da aposentadoria plena na casa dos 50 anos.
         Outro caso de que nos ocupamos: os nove vereadores da cidade paraibana de Baía da Traição ganham R$ 3.500 por mês, cada um. Contando o 13o. e considerando que a Casa se reune 24 vezes por ano, isso dá R$ 1.895 por sessão. O município tem 8.915 moradores, com renda per capita estimada de R$ 250/mês.
         Só um exemplo. Nas eleições do ano passado, foram preenchidas 57.931 vagas de vereador, nos 5.568 municípios. Se todos esses parlamentares recebessem o mesmo salário dos colegas de Baía da Traição, isso daria R$ 2,6 bilhões ao ano.
         Mas essa conta é muito por baixo. O vereador de Baía da Traição, rico na sua cidade, é pobre no país. No Rio, por exemplo, considerando salários e mais verbas de gabinete e de pessoal, cada verador custa cerca de R$ 107 mil por mês. Em São Paulo, R$ 156 mil.
         Assunto debatido, mesma resposta: é direito.
         Para 2018, há muito mais do que eleições. Uma discussão sobre o que é mesmo direito, legal e ético.
         Que seja um bom ano para todos.
         (Colunista em férias até 17 de janeiro)

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